Musa sem causa
Não há que clamar mais episódios sem fundamento:
Quando sinto seu cheiro
Meu corpo todo é saudade.
Não quero memórias,
Nem o titubear de fotos amargas;
Não me tragam linguagens passadas,
Porque a possibilidade contaminar-me é imensa
E não quero resquícios de coisas que poderiam não ser resquícios,
Mas verdade enfim.
Que o tempo converta-me agora:
não há mais o que se esperar
Contrariar-me movimentar-me-ia fora da linha do caso
(A ausência do que penso
a menos do que existo).
Teu semblante, por muito menos,
Já foi motivo de tamanha revolta interna
E cogitam-me que morra de memórias
(morra, porque isso não pode previamente ser viver)
O que há?
Converter sua imagem ao tangível
Seria pior martírio que consolar-me com tua perda, ó musa sem causa.
Não compreendo porque penso isso tudo;
Há mais o que se fazer do que se pensar, é certo,
Ainda sim, teu semblante volta.
Volta e queima-me as veias com seu retorno, como se fossem fogo
- E verdadeiramente o são.
Livrar-me-ei de tudo isso.
Serei o sagaz agente da causa sem causa,
Porque o coração é maior que qualquer fundamentação
E o motivo de tudo isso é nulo.
O porquê dessas palavras também é nulo.
O fim, por fim, também - e como conseqüência - nulo:
Tudo nulo.
Anulo-te, ó musa sem causa.