crueldade
a crueldade está
em espremer a barata
sufocá-la contra a parede
com o dedo sobre o papel
higiênico dobrado
será que é o Julius ali?
a metamorfose ambulante
de um Kafka alucinado?
mas a barata fugiu
se foi pra trás do sofá
maior crueldade está
em ver você na cozinha
contente com a sua filhinha
pensando no quê pra jantar
sem nem de mim cogitar
sem nem saber onde estou
se colho os sabores do vento
como o pirilampo no campo
se vivo em meio a tormentos
em ondas de maré vazia
se curto alguma alquimia
que nunca me traz resultado
você que não sabe do estado
em que me encontro aqui
você em Paranavaí,
Honolulu, Moçambique
não sabe se estou a pique
por não ter notícias de ti
não sabe que se não fugi
ainda daquilo que sou
foi só por causa da dor
de que ainda não me livrei
ou mesmo por causa do amor
que tenho e que não sufoquei
Rio, 10/06/2008