Caminhada
Sou da noite peregrino,
Caminho só, sem destino,
Não tenho onde morar...
Caminho ao longo da estrada,
Em busca da madrugada,
Que me traga a alvorada
Que há muito, em vão, persigo,
E não consigo encontrar!...
Levo por manto, o tormento;
Por bordão, meu sofrimento;
No bornal, meu pensamento,
Qu'eu solto e deixo correr,
Qual cavalo puro sangue,
De crinas soltas, ao vento,
Correndo p'la pradaria
Numa louca correria
Que não consigo deter...
E quando o dia acontece
E a manhã, enfim, floresce,
Lá longe, atrás da montanha,
Minha alegria é tamanha
Qu'eu quedo-me para ver:
Tanta e tão grande beleza,
Que só mesmo a natureza
Me poderia oferecer...
As searas ondeando,
Trigos loiros, sasonados
De papoilas salpicados,
De um vermelho rutilante,
São pinceladas vibrantes
De um quadro feito: Matisse;
Escuto a brisa que passa
Em seu estranho rumor,
Como se de Orfeu se tratasse
Cantando a Euridisse
As suas trovas de amor.
E na berma do caminho,
Lírios roxos, macerados,
São sofrimentos passados
Por outros pés já pisados...
O ar cheira a rosmaninho,
A jasmim, a alfazema...
A vida é todo um poema
Que me apetece viver!