Sem fantasia

Uma gota de esperança

num mar de desilusões

une-se à outra gota que avança

no oceaono de "nãos" e "senões"...

Uma gota no fim do túnel

além da estreiteza-escuridão

é o Sol pulsando incrível

na palma da minha mão...

Uma gota é uma gota,

se, entre tantas, se encasule,

se, na infinitude remota,

se borbolete no céu de lápis-lázuli.

E as gotas, uma a uma,

reunindo-se, marejando,

sal, ondas, peixes, espuma,

assumem o comando.

Gota que é uma aranha

tecendo, sem artimanha,

a enorme teia do universo

onde o bondoso e o perverso

o quente e o frio

se conjuugam no vazio

gota-riacho de aguá doce

no deserto, fértil e precoce...

Gotas que desfazem os feitos

e expulsam a decepção;

refazem o destino dos peitos

que é o pulsar de um só coração.

Gotas da terra e do céu,

dos mares, dos lagos, dos rios,

do fogo abrasando o incréu

de pensamentos sombrios...

Gotas oceanicamente

galáxias de gotas e paz

à sombra d´O Onipotente

brotam em chuva pertinaz.

Gotas dos meus Lusíadas

ou do alemão de Lutero,

do latim, do grego, da Ilíada,

ou do inglês de Shakespeare? - pondero...

Gotas de Dante e Petrarca

amolecendo a pedra cordial...

na fonte eis Calderón de la Barca

e Victor Hugo, linha entre o bem e o mal.

Gotas de Poincaré e Aristóteles,

gotas de Martin Luther King,

dos triângulos, perfeitos ou isósceles,

do "dai a outra face, não se vingue"...

Gotas de um rio espesso

afluindo ao mar da retórica

limpando o que houver de excesso

no estilo e na arte pictórica.

Gotas de erudição ou nem tanto

pois só livros não salvam vidas...

Muito sujeito que hoje é santo...

aprende-se em livros e em despedidas...

Gotas de quem fermenta

os sonhos com as próprias mãos...

Que, ao cair, levanta e tenta

até conseguir - olha o céu, pisa o chão.

Gotas no trigo e no arroz

do saber o pão de cada dia...

Cada espírito que se recompôs

é grato por estar em sua via.

Via regada de flores

em que pese ao quanto é seca

a alfazema de alguns doutores

envenenados de biblioteca.

Doutor ou mendigo, ao meu lado,

eu quero o douto gentil,

que Dom Marcelo já foi gotejado

pelo Amor - não pelo ardil...

Uma gota é um Ó maiúsculo...

O de Ostra, MadrepérOla, de avÓ ,

avÔ, Ômega, rosáriO, grãOs minúsculos...

O-O-O-O-O-O-O-O-O-O

Quisera que os doutores fossem sábios

como alguns poucos que conheço...

que a sabedoria pulasse dos alfarrábios

pulsando como essência, não como adereço.