Minha eterna e sagrada Regina
Num dia frio e solitário de outono,
Enquanto eu olhava os pinheiros ao longe,
E os pássaros ali cantavam, tão risonhos,
Eu, com uma xícara de café e o coração tristonho,
E a parede atrás com quadros de quem tanto amo,
E que há anos faleceram, deixaram este plano,
E meus olhos que, por tantas saudades e dor, vivem desolados,
E a máquina a fazer hemodiálise neste meu corpo quebrado!
Observando as folhas caírem das árvores,
Como bailarinas no ar, tão leves e suaves,
E os esquilos, nos galhos, correndo velozes,
As formigas brincando, tão pequenas e graves,
Meu coração, sozinho e cansado, gritava e chorava
Todas as vozes alegres, as amizades passadas,
A família, os risos, tudo o que distante jazia e me dilacerava,
E a angústia me envolvendo em lágrimas seladas.
Quando me levantei com a alma cansada,
O som da porta da frente me desperta,
Vou até ela, sem esperança, desarmada,
E vejo, sem acreditar, nesta presença certa:
“Regina, o que fazes aqui, neste ermo,
Neste canto perdido, tão longe e frio?”
Ela sorriu com um brilho eterno,
E disse: “Vim derreter teu frio e teu vazio.”
“Vim te buscar, amigo, pra ver o sol,
Sentir o vento que toca violão e tarol,
Pra caminhar nos campos de outrora,
E esquecer a dor que tanto te devora.”
Sua voz trouxe de volta aquele calor,
E o peso das sombras virou vapor,
Com ela, cada passo era diversão,
Uma nova caminhada, uma linda canção.
Lembrei-me das tardes que passamos a subir,
As árvores que desafiavam o nosso medo,
Ela, destemida, sempre a correr e a me sorrir,
Me instigava a seguir e viver o nosso segredo,
As noites em volta da crepitante fogueira,
Cantávamos sob as estrelas, tão luzeiras,
E sua voz, suave, fazia o tempo parar,
Cada gesto dela é uma mágica divina a cantar.
A mim, Regina explicou-me a verdade,
Mostrou o fluir dos rios e a serenidade,
Revelou a beleza que há nas flores,
E a alegria que cura todas as dores.
Atira pedras no riacho que passa,
Depois sorri, como quem descompassa,
Como se todo o mistério incógnito da vida
Vivesse em seu rosto, em sua alma sentida.
Regina enlaça a minha raquítica mão,
E seguimos em frente, em comunhão,
E o fardo das tragédias parecia sumir,
Pois ao lado dela até as dores ficam a dormir.
Regina, vamos brincar perto dos pinheiros,
Onde o vento afaga flores e os castanheiros,
E o sol desenha danças nos ramos altaneiros,
Nossos risos unidos beijam-se como rios cheios.
Naqueles dias de outono tão modificado,
Passávamos horas felizes no rio encantado,
Jogamo-nos água, como crianças em festa,
E construindo sonhos e pontes em tudo o que resta.
Pegamos saborosas goiabas lá no olho da antiga goiabeira,
Regina me ensina a distinguir as vozes dos pássaros e dos animais,
Explica-me o âmago da plena luz como da escuridão feiticeira,
Ela me conta, fascinada, fábulas, fatos e verdades colossais,
Tudo se torna fulgurante ao lado deste ser radiante e pujante!
Voltamos à casa, agora cheia de memória,
O silêncio não pesa, faz parte da história.
Regina despediu-se com um abraço forte,
Prometendo voltar, seja qual for a sorte.
E assim, no fim de um dia tão frio,
Meu coração reencontrou seu brilho,
A chama da amizade, que nunca se apaga,
Sobrevive ao tempo, à dor, à distância, à saga.
Regina, por que não me deixam viver, por quê?
Por que, Regina, só me permitem sofrer, por quê?
Até quando, Regina, até quando este sofrimento vai perdurar?
Regina: eu só quero viver, trabalhar, sentir, pensar, abraçar, amar...
Quando eu morrer, minha linda Regina,
Descansa este meu ser em teu afável colo,
E guarda-me dentro de ti, minha amiga,
Dentro de teu coração deste sagrado solo,
Agasalha este meu corpo tão frio e cansado,
E leva-me e deita-me na relva da tua alma,
Segura minhas mãos risonhas já sem alento,
E irradia a tua balsâmica paz, o teu acalento.
Regina, não me deixa morrer sozinho,
Enche-me de sonhos e de carinho,
Que eu possa nascer, entardecer,
E anoitecer, todo dia a renascer,
Como a criança eterna que sempre fui,
("Sou tua amiga que jamais te abandonou”)
Somos estrelas na eternidade do nosso existir,
Onde a luz do amor, da amizade e do afeto
Sempre brincou, sempre brilhou, sempre reinou!
Regina, não quero morrer, não me deixa morrer,
Pelos campos, rios e luares quero só viver e florescer;
Na infausta hora, fechai meu olhar com teu amor e cuidado,
E continuarei vivo, criança feliz a brilhar em teu ser sagrado.
OBS: Em latim, o termo "regina" significa “rainha”, “senhora absoluta” ou “a maior”, simbolizando, neste poema, a representação corpórea, humana e real da plenitude da vida, da verdadeira VIDA.