ARREBOL
A vida sem amigo seria um tédio.
Um prédio cheio de dinheiro não chegaria aos pés dos amigos fiéis.
Um prédio cheio de dinheiro não abraça nem alcança
o sentido real da esperança guardada no peito de um amigo.
Um amigo se entende na força do olhar, na mansidão do afeto,
no gesto singular de tudo: da ação, da ausência de formalidades,
da simplificação do complexo,
da decomposição do absurdo normalizado na rotina.
Nas bifurcações que a vida nos insere o amigo sugere a via mais objetiva,
mais plana e silenciosa de obstáculos,
mais densa na razão adjetiva de viver e, mesmo sem querer, naturaliza
o bem estar de cada coisa que há por perto.
Oxigena o ar impuro, nos agasalha, nos cobre do frio, alonga o lençol de
proteção no desafio generoso do calor humano,
estica o pano na carência do amor do cotidiano.
Ao rever um amigo no fio das horas que a vida nos empresta,
tudo se completa, nada falta, nem a fala é necessária,
o momento de outrora se teletransporta para o agora,
preenchendo a fresta na janela da saudade que havia,
na terna memória da fotografia.
Nas tardes ou nas manhãs o amigo é o arrebol de luzes belas,
a pintar a tela do viver.