Místico e mundano
Li, reli e tentei mastigar bem devagar O LIVRO.
Não digeri.
Segui mordiscando e me misturando àquilo de nós que cada verso me trouxe.
E fomos virando ali,
amalgamados,
uma espécie de água-viva na boca do tempo.
Gelatinosos corpos
que
ora
dançam
soltos,
oracontraemseemdorestentaculares.
Algumas vezes, luminescendo por conta de águas que pararam
no fosso
do nosso coração menino.
Noutras, apenas flutuando,
translúcidos,
ao sabor da potência marinha que nos sedimenta.
No canto insígnio de nossas almas cônsonas,
ressignificamos o léxico.
Levantamos à base de conchas e mariscos
nosso escafandro de ouro.
Nossas cadeiras já atravessaram a varanda e ganharam o pacífico,
imenso e turbulento,
nos endereçando a cusparadas
algumas feridas latentes.
Movemo-nos, não pouco, à mercê de torrentes
em pulsação rítmica,
partilhando os farrapos paridos por nossa via- crúcis.
Noutras passagens,
tornamo-nos nadadores vagarosos
num reentrante vagalhão silencioso,
senhor de algumas desovas delicadas.
Adentramos,
constantemente distantes do tato,
uma paragem etérea que nos alinha e irmana
na fábula visceral dos dias.
Sentamo-nos,
fartos e embotados,
diante do outro -espelho-
e reconhecemo-nos em solo sagrado.
Diante da materialização dessa atração
mística e mundana,
engoli as linhas
que ficaram dependuradas entre o interior da minha garganta
e o exterior da minha boca,
atingindo o estômago numa rebentação
de chamas
e irrompendo seiva pelos lábios, olhos, poros.
Cada palavra- seixo foi adornando os caminhos silentes pelos quais passamos.
Lugares que tragamos a goladas desmedidas,
devolvendo à terra um vômito espesso de nuvem que nutre a nossa raiz.
A cada página
vi celebrada a matriz do nosso encontro;
fogo e água,
búzio e veneno.
Assenti,
interrompi o ímpeto do não merecimento
e assinei,
mão sobre a sua,
a autoria dO LIVRO que nos verte na única criatura marinha
que habita o dedo de deus.