ÁGUA DOCE SOB A PONTE
ÁGUA DOCE SOB A PONTE
~~~~para Maria Sara ~~~
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Você me diz que envelheceu
que ontem mesmo não tinha esse rosto
e nele o semblante cansado
você me diz que entristeceu
que as marcas do tempo na sua pele
em vão pedem bom restauro
diz que se a vida fosse um bom livro
você já tinha escrito
mais do que desejava ter lido
quando você me diz essas coisas
me faz rir,
debocha da vida e me faz rir
escracha o verbo numa falha idiomática
e saltamos os paradoxos juntos
em meio ao riso desconcertante
(aquele tipo de humor que assusta
quem espia porque ampara sem lógica)
concordamos ser eu Atlas
com pesado monumento aos ombros
e você água doce sob o arco da ponte
de ouvir, eu que só ressentia
de novo sinto
e a amargura dissipa-se
como a sombra de uma nuvem
que sobre o rio encobria a ponte
e então eu rio, eu rio, rio
quando me faz rir assim
de mim e de toda gente
vejo as marcas no meu corpo
se confundirem com as do meu caráter
e relembramos um ao outro
que águas passadas
não movem os moinhos tristes
e voltamos a rir
pois que a Capela Sistina anda igualmente
necessitada de reparos
e nem por isso deixa de ser visitada
por tantos e ávidos e puídos de serem
sob a pele e longe das pontes
obras de arte perdidas para o tempo.
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Baltazar Gonçalves