NOVELOS
Amizade é maré:
ora baixa, ora mexida,
mas os pés na areia viva
necessitam refrescar.
Então exigimos que ondas
sempre claras e festivas,
nos ensopem de saliva
até o amor transbordar.
Por hora nos esquecemos
desse decreto nefasto
que reza que "todo o pasto
que é demais deve sobrar".
Pisando em ouriços, vamos,
desprezando a singeleza,
delineando a grandeza
que visamos contemplar.
Mas é tolice esperar
que essa água coagida
seja tão fresca e festiva
quanto a do espontâneo mar.
Criar expectativas
sobre tal comportamento,
é tecer, no firmamento,
sol em noite de luar.
(…)
Amizade é maré:
ora baixa, ora mexida,
porém os laços da vida
necessitam do enlaçar.
E exigem nossos novelos,
que o pobre barbante tente
circundar o corpo quente
sem o mesmo machucar.
Por um minuto esquecemos
que, mesmo dessa corrente
trabalhada e resistente,
ainda se pode escapar.
Pisando em espinhos, vamos,
sangrando em busca de afago,
transformando o mar em lago,
com medo de se afogar.
(…)
Amizade é maré.
É escassez e fartura.
E é na hora da secura
que ela vem nos inundar.