A Invenção do Olhar
Não existia. Trouxe-o um pássaro no gesto maternal de fazer ninho para guardar as esperanças. Disse quem sabia que a ave, à revelia de qualquer regra, o desenhou sereno, tão insólito como cavalgar borboletas e fazer voar cavalos. Era cego. Tudo o que brilhava nele eram palavras, e de silêncio se compunha o rosto de boca sempre fechada. As palavras, disse o pássaro, soltava-as das mãos acesas e dele saiam, tortas como cabe aos cegos escrevê-las, iluminadas como é uso de quem vive, por dentro, num mundo fechado. E de amor não sabia. E a felicidade nele não cabia. Morreu, sem vez para não atrasar a ave que o fazia. O desenho é a memória livre de quem prende recordações.