MOLDADURAS VIII / VÉUS DE TULE / HONESTIDADE

MOLDADURAS VIII

Quando pedimos, em total convicção,

seja que Deus atenda à nossa prece

ou quer cruzemos a rede que se tece,

ao derredor de nós, em prontidão,

passamos a outro mundo, de antemão,

sem que a distância nossa mente mece,

mas somos substituídos: outro desce

para ocupar o lugar dessa evasão,

igual em tudo a nós, salvo detalhes,

como o mundo ao redor é semelhante,

com a diferença que ocorre o que pedimos,

enquanto o alter-ego segue as calhes

de nossa vida antiga, doravante,

enquanto a vida dele prosseguimos.

MOLDADURAS IX

Essa responsabilidade todos temos

de pensar bem, antes de desejar:

o que queremos se pode realizar,

mas outro paga o preço que não vemos.

São as mentes que propelem os seus remos,

apenas por instante, sem tocar:

uma passa pela outra, em deslizar,

no arcano transmitir que projetemos.

Se obtivermos assim o que queremos,

quem nos diz quanto o outro irá sofrer

nessa troca, quiçá mais do que sofremos?

De forma tal que somente poderemos

usufruir do que o outro irá perder,

caso ele assuma a carga que perdemos...

MOLDADURAS X

Além de nossa prece voluntária,

também, às vezes, trocamos sem querer;

cruzamos um portal, sem perceber,

enquanto outra faceta multifária

ocupa este lugar na rede vária,

que mundos aos milhões pode conter.

Não somos responsáveis: é um poder

a nós mesmos alheio, que a contrária

moldadura produz e nos cambia.

Sabe-se lá porque, ou quantas vezes

nosso passado cruzou tal labirinto.

Só a mais leve mudança a gente via

e a descontava, no sabor dos meses,

a duvidar do que mostrava o instinto.

MOLDADURAS XI

Mas não me leve a mal, você que lê:

eu não afirmo que seja mesmo assim;

apenas descrevi a doutrina, enfim

dos mundos paralelos, qual se vê...

E, se a ideia contraria o que você

acreditou sempre, não é a mim

que deve condenar, pois, outrossim,

não faço ideia do que você crê...

Apenas descrevi, entenda bem,

essa hipótese dos mundos paralelos:

talvez não haja responsabilidade;

talvez seja uma mente que, também,

crie esse mundo inteiro, em seus alelos,

e tão somente imagine a realidade...

MOLDADURAS XII

E, novamente, como ter certeza

de que já não vivemos noutros planos?

Sabe-se lá que imensos desenganos

deixamos para trás, em sua vileza

e nos trocamos, por acaso ou esperteza,

para um mundo melhor que imaginamos...?

Ou quem sabe se somos nós que arcamos

com o fardo de uma troca, por empresa

de algum outro de nós? Em tal quiçá,

somos as vítimas de uma alheia escolha

e alguém mais assumiu nosso destino...

Tudo isso é ilusão. Só sei que há

um duende a espreitar de cada folha

e que nos funerais tangem um sino...

VÉUS DE TULE

Eu puxarei teus olhos para os astros

e os farei viver na luna plena:

serão cheios de luz e, qual falena,

adejarão, mesmo que pesem lastros

que me afastem do amor. Erguerei mastros.

em que flutuem espelhos pela cena,

despejando as centelhas de minha pena

e iluminando de minha vida os rastros;

porque aonde pisares, plenilúnio

cintilará do chão em mil castelos,

construídos nas areias da ilusão;

e, desse modo, mesmo no infortúnio

de que não sejas minha, sonhos belos

brotarão de teus passos pelo chão.

VÉUS DE TULE II

Eu te darei um manto de esmeralda,

tecido lentamente pela espuma;

eu contarei as ondas, uma a uma

e um colar deporei sobre tua espalda,

feito de nuvens gris, na estranha calda

dos caduceus do vento, nessa ruma

de estrelas peroladas, nessa gruma

de fios de neve da montanha à falda.

Depois, um par de brincos de rubi,

recolhidos do orvalho no arrebol;

e cada esbelta haste do capim

porei no meu tear, em que teci

o teu vestido nupcial de sol,

para essa noite em que virás a mim.

VÉUS DE TULE III

São sete os véus daquela antiga dança,

na qual se desvestia, nos haréns,

bem sedutoramente, em seus desdéns,

a bailarina que ninguém alcança,

antes que os sete véus, essa abastança,

que por demais a cobre, em seus poréns,

no rodopio de seus vaivéns,

lance de si a sugerir bonança...

Só depois de largado o último véu

é que se mostra propícia a algum abraço,

lasciva e quente do exercício lento...

Tens-me mostrado a sombra desse céu,

em bem mais de setenta vãos de espaço,

derviche a redemoinhar meu desalento...

VÉUS DE TULE IV

Foi teu primeiro véu a indiferença,

talvez enfado, quiçá insatisfação,

nesse casual aperto, palma e mão,

pelos preceitos éticos da crença.

Foi essa fase sobremodo intensa,

recusa da primeira comunhão,

olhos perdidos de desilusão,

mente perdida na floresta densa

de teus cabelos, sideral cascata,

estranha como a luz que vem do chão,

essa relva que cresce para baixo...

Esvaziou-se a indiferença, de insensata:

caiu o véu e, em fresta, o coração

mostrou cor e calor, em leve facho.

HONESTIDADE III

Existem muitos tipos de conselhos:

uns transmitidos em plena honestidade,

outros cheios de malícia e de maldade;

parecem novos tais conselhos velhos...

Dentro de ti, encontras os espelhos

de teu espírito, em plena liberdade,

que te mostra, com total veracidade

esses procedimentos mais parelhos

que deves perseguir e não o grito

sincero ou falso com que te alcança alguém,

sobre o modo em que te deves comportar.

Pois eu apenas um conselho te transmito:

que não aceites conselhos de ninguém,

nem sequer este que te acabei de dar...

HONESTIDADE IV

Contudo, sempre somos responsáveis

pelos que nos rodeiam, seja a parte

qual seja que mostramos nesta arte

dos novelos sociais imponderáveis;

se nos calarmos, por sermos mais sociáveis

ou porque a experiência já nos farte,

a nós mesmos condenamos, no destarte,

a sofrer reações incontroláveis...

Não é questão de consciência ou de bondade

mas pura e simples de sobrevivência:

é de nosso interesse o bom sucesso

de quantos nós amamos em verdade

ou a quem suportamos, com paciência,

ou quem apenas merece o nosso apreço.

HONESTIDADE V

Eu recordo ter ouvido alguns conselhos,

que metabolizei em muitos anos,

que me serviram contra desenganos

de escudo e de broquel, cacos de espelhos

que os olhos da Medusa, desparelhos,

refletiram em momentos soberanos,

proteção contra olhares desumanos

de quem buscava calcar-me sob artelhos.

Não que os tenha aceitado de imediato:

contra outros maus conselhos combateram,

o resultado da falsa educação...

Como é difícil cometer o desacato

das leis que tanto tempo nos prenderam,

até desalgemar o coração!...

HONESTIDADE VI

Também dizem: se conselho fosse bom,

não se daria... Mas existem consultores,

que aconselham de negócios ou de amores,

contra moeda corrente e de bom som...

Quantos conselhos existem nesse tom!

Vêm nos jornais: é assim que os vendedores

expõem melhor os seus anunciadores,

nos comerciais de meretrício dom.

Quem dá conselhos, pretende transmitir

a sua experiência. Mas ninguém ensina,

cada um aprende por sua própria sina...

Quem dá conselhos pode até insistir,

mas só o tempo a índole fascina,

por mil espinhos que vêm para a ferir...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 24/05/2011
Código do texto: T2989635
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