HONESTIDADE 1-12

HONESTIDADE

William Lagos, 2009

HONESTIDADE I

Às vezes, os alheios sentimentos

malferir não queremos e escondemos

os nossos próprios, nem sequer queremos

expor honestamente os pensamentos

que nos vão pelo cérebro, os momentos

em que um conselho seria, pelo menos,

mais indicado para afastar venenos

da insídia de terceiros, dos eventos

que podem afetá-los; bem maior

é a dor que sofrem, passados alguns dias,

do que o conselho simples que pensamos,

mas não lhes demos, fugindo a tal rigor

dessa confrontação: com covardias

ferindo muito mais a quem amamos.

HONESTIDADE II

Melhor então, é retirar a pedra

do caminho e falar sem mais rodeios:

talvez com tato, talvez por outros meios,

mas arrancar esse engano que já medra

no coração do amigo e dizer claro,

enquanto tal problema só começa,

o jeito de evitá-lo, se depressa

não se tomar consciência desse amaro

desdouro que se encontra à sua espera;

por isso, a honestidade é necessária,

mesmo que traga estranha consequência,

pois sem advertir, maior é a esfera,

que só se ampliará e a multifária

mágoa maior, em toda a sua potência.

HONESTIDADE III

Existem muitos tipos de conselhos:

uns transmitidos em plena honestidade,

outros cheios de malícia e de maldade;

parecem novos tais conselhos velhos...

Dentro de ti, encontras os espelhos

de teu espírito, em plena liberdade,

que te mostra, com total veracidade

esses procedimentos mais parelhos

que deves perseguir e não o grito

sincero ou falso com que te alcança alguém,

sobre o modo em que te deves comportar.

Pois eu apenas um conselho te transmito:

que não aceites conselhos de ninguém,

nem sequer este que te acabei de dar...

HONESTIDADE IV

Contudo, sempre somos responsáveis

pelos que nos rodeiam, seja a parte

qual seja que mostramos nesta arte

dos novelos sociais imponderáveis;

se nos calarmos, por sermos mais sociáveis

ou porque a experiência já nos farte,

a nós mesmos condenamos, no destarte,

a sofrer reações incontroláveis...

Não é questão de consciência ou de bondade

mas pura e simples de sobrevivência:

é de nosso interesse o bom sucesso

de quantos nós amamos em verdade

ou a quem suportamos, com paciência,

ou quem apenas merece o nosso apreço.

HONESTIDADE V

Eu recordo ter ouvido alguns conselhos,

que metabolizei em muitos anos,

que me serviram contra desenganos

de escudo e de broquel, cacos de espelhos

que os olhos da Medusa, desparelhos,

refletiram em momentos soberanos,

proteção contra olhares desumanos

de quem buscava calcar-me sob artelhos.

Não que os tenha aceitado de imediato:

contra outros maus conselhos combateram,

o resultado da falsa educação...

Como é difícil cometer o desacato

das leis que tanto tempo nos prenderam,

até desalgemar o coração!...

HONESTIDADE VI

Também dizem: se conselho fosse bom,

não se daria... Mas existem consultores,

que aconselham de negócios ou de amores,

contra moeda corrente e de bom som...

Quantos conselhos existem nesse tom!

Vêm nos jornais: é assim que os vendedores

expõem melhor os seus anunciadores,

nos comerciais de meretrício dom.

Quem dá conselhos, pretende transmitir

a sua experiência. Mas ninguém ensina,

cada um aprende por sua própria sina...

Quem dá conselhos pode até insistir,

mas só o tempo a índole fascina,

por mil espinhos que vêm para a ferir...

HONESTIDADE VII

Contudo, a maioria dos humanos

prefere obedecer ordens alheias,

sejam estas agradáveis ou mais feias,

mesmo terríveis atos desumanos.

É difícil decidir, por tantos anos:

preferível abrigar-se nas ameias,

irresponsáveis nas estranhas teias,

sem ter de cometer os seus enganos.

"Ordens se cumprem, sem se discutir":

não é somente o jaez dos militares

ou das grandes confrarias religiosas,

mas se encontra a cada passo no sentir

de quem prefere um produto a similares,

para aceitar propagandas ardilosas...

HONESTIDADE VIII

E são assim as mimas e modismos,

nessa farândula da louca imitação,

sem distinguir o belo do malsão,

mas seguindo os recentes catecismos.

Mais as mulheres, sem dúvida, que são

vulneráveis aos conselhos e iludismos.

Desse rebanho da moda nos abismos

se lançam facilmente e com paixão.

Os homens custam mais, porém conselhos,

sem perceber, aceitam diariamente,

conservando atributos semelhantes

àqueles que observam nos mais velhos:

por mais que a imitação seja inconsciente

repetem seus papeis, igual que dantes.

HONESTIDADE IX

As coisas mudam hoje mais que antes,

por nos acharmos muito mais expostos

a tantas alegrias e desgostos,

que nos revelam os filmes delirantes

mostrados nas tevês em mil instantes

de violência casual; e predispostos

nos demonstramos a repetir os gostos

que nos revelam novelas, penetrantes

em cada lar; ou que os gueimes anunciam,

como sendo naturais morte após morte

ou luta após a luta, em longa fantasia;

Que a atitudes semelhantes guiam,

na vida quotidiana, de igual sorte,

tanto quanto o imaginar nos permitia.

HONESTIDADE X

A cada instante, no televisor,

surgem imagens subliminares:

Faça isso/compre aquilo, aos milhares

influenciando todo o nosso ardor.

Assim o sexo substitui o amor

e o romantismo trocado por esgares,

na sedução de falsos encantares.

na tentação do brilho multicor...

Sempre assim foi: as luzes da cidade

sempre atraíram novas mariposas

e era falsa a moral da sociedade.

Mas hoje nos impõem novos padrões,

de cunho comercial, nessas faustosas

orgias consumistas de ilusões...

HONESTIDADE XI

E como é fraca do conselho a voz,

diante de tantas ruidosas exigências!...

É tão fácil seguir, sem resistências,

ao que o comércio busca impor a nós!...

Assim na vida, em seu mover-se atroz,

encaramos o fulgor com complacências,

não nos bastamos, nessas veemências:

temos mais medo de quedarmos sós...

E, nessa falta de manifestação,

nos perdemos também, pois quem amamos,

percebemos pouco a pouco transformar-se...

E só após partido o coração,

quando é tarde demais, é que notamos

o restante desse amor esvoaçar-se...

HONESTIDADE XII

Por isso, não te iludas: por inútil

que pareça o conselho, diz ainda,

enquanto a consequência não se finda,

o que acreditas venha a ser-lhe útil.

Por mais que o resultado seja fútil,

pelo menos, tentaste, antes que vinda

fosse a discórdia; que a palavra linda

sempre conserva um laivo de inconsútil.

Cedo ou mais tarde, a tua honestidade

será reconhecida e até aceita

por aqueles a quem amas de verdade.

Não que sua vida se vá tornar perfeita,

mas de um instante de sinceridade,

alguma coisa sempre se aproveita...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 18/05/2011
Código do texto: T2977026
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