Uma canção para uma menina grega
A tênue fronteira entre o estar vivo e o estar morto, assemelha-me a uma faixa amarela pintada no asfalto:
O relembrar de tua voz, de teus gestos, a engalfinhar-se em meio de meu inquieto pensar, a emaranhar-se nesse meu modo de ver esdrúxulo e abstrato
Desenha, nesta fina camada de neblina de Abril, o vulto da esbelta menina grega que um dia foste - e do qual nem mais uma sombra nos resta.
A motocicleta ronca, célere, na pista da esquerda; mil decibéis contrastando com aquele casal de namorados, de bicicleta, a trafegar no acostamento...
Não mais serei premiado, quando esparsamente nos víamos, com o diadema de tua risada sonora; não mais dirás o meu nome com ritmo e gosto de festa.
Hoje, Ângela, Hades te embala nos seus divinos braços: tu voltaste para o berço de onde vieste; ver-te-ei, em outras vestes, numa dessas raras noites de luar azulado,
Tu, transmudada na mais brilhante estrela do firmamento, a revisar cartas zodiacais, a nos falar dos difíceis trânsitos de Saturno, a explicar como os de Aquário são complicados.
Dissolve-se, em minha boca, o régio chocolate que mastigo distraidamente; um bem-te-vi entoa, numa árvore desfolhada da rua, a sua monocórdica canção do esquecimento.
Nada mais que uma canção devo eu dedicar a uma amiga que mudou de energia tão prematuramente, que partiu deste plano tão apressada.
Descanse harmonicamente entre as estrelas, menina grega.
Terras de São Paulo, Quarta-Feira, uma cálida manhã de Outono de Abril de 2011
João Bosco