A moça do fim da rua
A MOÇA DO FIM DA RUA
Guardei-a na lembrança,
E de lá a retiro
Quando em frente ao espelho
Da vida me espio,me miro.
Ela era toda colorida, divina
Seu andar o mais elegante
Que me lembro ter visto
Era preciso em seu ritmo
Parecia dançar num compasso
Invisível na melodia dos anjos
Que a seguiam pelos caminhos
Incertos que a vida a levava
Sorriso aberto acolhedor
Recebia a todos com seu amor
Gostava de ficar doente
Para ir visitá-la
E ouvir suas santas palavras
Enquanto o rosário desfiava
Chamando as santas que confiava
Enquanto meus males expulsava
Ela mora lá o fim da rua
Numa casinha singela
Cheia de filhas e netos
Todos obedientes a mulher divina
Vez ou outra eu a via
Descer a rua com tanta elegância
Enquanto carregava uma lata
Enorme cheia de restos de comida
Que seria o alimento de suas crias
Ela fazia seu trajeto em suntuosidade
Que mais parecia carregar uma coroa
Preciosa cheia de diamantes
Por anos a fio me lembro da última vez
Que a vida a moça divina do fim da rua
Eu estava delirando com febre
E fui levada até a porta de seu casebre
Parece que ela também padecia
De um estranho mal que eu não conhecia
Mesmo assim com suas santas mãos
Rezou o rosário e enquanto me benzia
Calafrios ela sentia.
Minhas coleguinhas zombavam de fim
Dizendo: - Coitada, pobre da divina!
Eu não sabia de nada
Depois de muito tempo
Me contaram que após me benzer
Ela entrou e veio a falecer
As meninas que comigo vinham a ter
Debochavam e diziam
Que eu tinha mesmo uma carga pesada.
Minha tia calava a garotada
Afinal a Dona Dilina tinha sido chamada
Para junto com as andorinhas
No céu voar, voar, voar e bater asas.
Ela era por todos muito amada
Adorada, querida, respeitada
Virou lenda na rua que eu morava
Diziam ser filha de uma escrava
Poderia até ser verdade
Pois os anos ela não contava
Durante toda sua vida se apresentava
De forma simples mais linda
Era alta, magra, negra
Cabelos crespos e escuros
Sua roupa sempre muito colorida
E impecavelmente bem cuidada
Nada em sua natureza
Revelava a origem onde fora criada
Se no céu estiveres, Dona Dilina
Receba meu gesto de carinho
Quando partistes me senti desamparada
Sem o consolo de tua reza divina
A moça do fim da rua
Afastava a molecada barulhenta
Com seu pisar macio e descalça
Equilibrando a grande lata
Muitas vezes suas netas e sobrinhas
A ajudavam na tarefa
Que costumava fazer sempre sozinha
Apanhar sobras de frutas e verduras
Para encher o papo das galinhas,
Marrecos, e porcos que lá viviam.
Esta mulher pedaço da forma divina
Inesquecível Dona Dilina.