PROSA POÉTICA AMIZADE



Reflexões sobre a Morte

 
     Nada por nada, um niilista cada vez mais estrutural, descrendo,  na descrença morre em vida, pois morto está aquele que já não crê.
     Então, de que serve a razão, se tanto analisa, se tanto conclui, mas nada almeja? Se, na sua frieza, distancia-se da vontade?
     A vontade e força, e o meio em que vivemos a nos mostrar a nossa limitação. Escassa é a vida, somente na morte pode estar a eternidade.
     Assim, a conclusão é que apenas no morrer está o ilimitado, mas isto, às vezes, pouco ajuda. Pelo contrário, é antes inconclusivo, nunca sendo o suficiente.
     E como querer ter certezas se toda a razão, e toda fé, antes de tudo, são apenas possibilidades? Hipóteses tão dilatadas, que a possibilidade de efetiva resposta só se faz possível perante o que transcende, o que está além dos sentidos e da razão comum. Torna-se humanamente impossível se chegar à conclusão empírica, pois antes está no plano da abstração e do imponderável. Eis, então, nossa necessidade de ter a verdadeira humildade, que vai além da moral, mas se constitui em reconhecer toda a nossa impotência, de verificarmos toda a nossa limitação.
     Neste caso, torna-se sensato, se não necessário, aceitar a parcialidade de toda verdade, pois que a ciência não crê no que não é possível mensurar. Mas como mensurar o inquantificável?
     Gerações vêm, gerações vão, fica a história, fica o registro, e tudo fica, pois haverá de ter sido, pois que o presente logo se converte em passado, e talvez nisto esteja a nossa ânsia pelo futuro. Sem dúvida, um estranho almejar, pois será ele, também presente, havendo de transformar-se unicamente em passado.   De modo que, mesmo não querendo nos curvar à melancolia, somos obrigados a concluir que tudo passa.
     Talvez por isso fosse de bom tom não darmos tanto significado e importância àquilo que às vezes julgamos ser tão essencial. Mas como adotar tal atitude sem nos deixarmos encher de um vazio ante o choque da realidade? Mesmo o mais forte sente o seu coração enfraquecer, torna-se frágil, almeja o sagrado remédio da consolação.
     Sejamos extremamente práticos e limitados aos nossos sentidos. Somente podemos concluir que o destino há de ser sempre o mesmo, pois reconhecemos o nascer, aplaudimos o nascimento mas, assustados e rebelados, também nos vemos obrigados a reconhecer, e de certo modo temer, o desconhecimento científico que envolve a morte. Ora, mudam-se os roteiros, modificam-se os personagens, mas o fim é previsível.
     Como reagir a isto? Sobra-nos a fé, ou a indiferença. A fé tem a certeza de ser, enquanto a indiferença é um estado cínico de sobrevivência.
     Palavras e letras são tantas que fica-se a pensar: “que diferença isto tudo pode fazer?”. Qual a utilidade disto? E nestes momentos pode-se rir de si por dar tanto valor ao tempo. E por se rebelar.
   Então, resolve-se desprezá-lo. Perde-se em divagações que para nada servem, e talvez por serem tão inúteis, alimentem a amargura. E em parte isto é algo estúpido, pois que é no amargor que está antítese da felicidade. Talvez seja por tanto desejarmos a felicidade que em parte vivemos tristes.
     Tal pensamento poderia, então, trazer estranhas conclusões, como a de que a indiferença economiza emoções. Entretanto, não seria isso um ato de pura covardia? Mas convenhamos: não há como culpar o suposto covarde ante um desafio tão íngreme. Sem querer ironizar, o fato é que neste caso é preciso de coragem para ser covarde.
     Pode-se estar exausto da falta de certezas, porém sem abandonar a virtude da dúvida, pois ela traz a possibilidade, a convicção individual, um instrumento para pensar por si, de não depender exclusivamente do que é dito pelos outros.
      Talvez nisto oculte-se alguma forma de ridículo orgulho, mas como enfrentar a idéia de morte sem sentir-se tão ínfimo, por ser tão vulnerável? E voltando à questão da amargura, questiona-se: como é possível rir ante isso tudo? E ainda sendo possível, haverá de ser sempre um riso meio sem graça, pois será sempre limitado. Talvez a realidade vista de forma muito clara nos faça senti-la cruel, até mesmo impiedosa, mas quem sabe não esteja aí o meio que desperta a compaixão humana.
      E na compaixão está o transgredir de si, em prol do outro. Tem algo de beleza heróica, uma força diferenciada, pois não defende a si, mas antes protege o outro.
      E, então, fica uma nova questão: quem é o verdadeiro forte, o que agride por si, ou o que renuncia a si pelos outros?
     Várias são as direções, vários sentidos que podemos dar aos pensamentos, porém saibamos do risco de nos perder.
     E como encontrar a consciência sem a experiência de vida? Viver é risco. O que supõe-se onipotente é antes o fraco que crê na sua própria ilusão de força. Pelo temor ou pelo desafio, talvez antes seja a aceitação.
     E assim concluo pela dificuldade de encontrar certezas, e como isto incomoda, confundindo, neste estado, se às vezes é graças ou maldição o que nos induz à buscar. Mas não nos confundamos, não nos deixemos enganar pela dor que quer nos cegar.
     Que tenhamos um instante de prazer ao sentir o ar penetrando os pulmões, que a aceitação nos faça ver graça na nossa efemeridade, mas que não morramos antes, nos mantendo vivos pela crença na possibilidade transcendental de uma eternidade.
 
 
 
 
Gilberto Brandão Marcon
Enviado por Gilberto Brandão Marcon em 20/05/2009
Reeditado em 20/05/2009
Código do texto: T1604689
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