O Anjo Caído

Nem as alturas do céu,
nem as profundezas do inferno.

Nem mesmo a paz da solidão
da própria consciência.

Não existe lugar para se ver livre
do incômodo de si.

Uma terrível perseguição,
um destino implacável.

Nem o heroísmo, nem a santidade,
está exausto de tudo.

Sabe apenas que tem que suportar
o que já não suporta.

Decepcionado com o que o cerca,
desiludido de si.

Clama aos céus pela misericórdia
que não chega até ele.

Dominado pela dor
que o apunhala
em tenaz autocompaixão.

Longe da abstração,
toda a concreta realidade
e sua muralha.

Vão distante os velhos sonhos,
o presente lhe esbofeteia a face.

A juventude dos ideais 
envelheceram na falta
de realização.

O passado já se foi,
os sonhos e os ideais
ficaram pelo caminho.

E sem eles o futuro
perde toda a sua graça,
toda a sua sedução.

Pede clemência,
coloca-se de joelhos,
curva a orgulhosa coluna.

Na sua derrota humana
aproxima-se de Deus,
quer auxílio divino.

Em meio à sensação
de ter perdido a sua batalha,

percebe, quase apagada,
mas ainda viva,
a vontade de lutar.

Falta, porém, um motivo
e a luta só tem virtude
se por um objetivo.

A luta só traz realização
se, antes que o corpo,
alimentar o espírito.

O combate só tem glória
se prevalecer o sagrado
sobre o profano.

Portanto, sente viver
uma batalha inútil
pela autoconservação.

Sente-se tolo,
beirando a estupidez
que não mais desejaria ter.

Confronta-se consigo
por almejar a liberdade,
vê-se enclausurado.

A chave da libertação está
na materialização
dos sonhos e ideais.

Mas como vivenciar a realidade
não se utilizando
da sua estrutura?

Como viver toda sua intensidade,
sem ser escravizado por ela?

Como adquirir muito,
sem se deixar prender
pelo desejo de posse?

Como conviver com os outros
ao reconhecer-se
como ermitão solitário?

Como abrir o ego,
se está em posição defensiva
e sendo agredido?

Poderia desistir,
mas não aceita baixar a guarda,
não quer ser passivo.

Os ímpetos guerreiros
gritam pela honra de morrer
lutando em combate.

E ver-se ferido e vulnerável,
mas não sabendo se pede alguma ajuda.

E na solidão de si,
decidir-se por contar o mínimo
com o auxílio alheio.

Tentando conseguir
no ódio instintivo
o que não obtém  no amor virtuoso.

Um campo de devastadora batalha,
somente um milagre divino.

Somente o sorriso do Pai
pode fazê-lo reconquistar
energias perdidas.

A morte é pequena
para quem nela não crê,
definha o corpo machucado,

mas a alma continua o combate,
criando a imagem de sua assombração.

Hoje, nem mesmo o fantasma quer assombrar.
Quer libertar-se da luta

e viver é luta, é  posse
de quem já se despojou
e tem dificuldade em vivenciar.

O fardo que é leve para o escravo do corpo,
é pesado para o filho da alma.

Resta a disciplina que vive a acordar o dever,
mas este é um tanto árido.

E mesmo na luta tem que haver
um tanto de poesia a alimentar um sonho.

De modo que toda a sublimação da razão
é insuficiente sem a bênção da fé.

Mesmo uma poderosa vontade individual
deve curvar-se ao destino divino.

É o tempo do filho escolhido pelo criador
para ser o artífice da realização.

Mas por melhores lutadores que sejamos,
somos apenas parte de processo interativo.

Não é por vontade própria,
tão cheia de imensa rebeldia,
mas por aceitação,

que acabamos acreditando
numa vontade superior,
é imposição do destino.

De forma que a humildade
não surge do nada,
mas pelo combate ao orgulho.

Enfim, é necessário ter
uma grandeza de alma
que ela própria duvida ter,

pois para sua jornada é preciso ver
o que não veem, ouvir o que não ouvem.

E quem sabe, assim,
ter a companhia para compartilhar
a sua solidão humana.

Uma bela rosa cheia de espinhos
e a mão afetuosa recolhe-se cheia de feridas.

Mas quão bela é essa flor,
quão fascinante é seu perfume,
é essencial que exista,

mesmo que para isso
seja preciso renunciar
ao direito da própria existência.

Assumindo o papel de vulgar adubo
para nutrir o crescimento das suas raízes,

pois que acima daquele que luta
está o ideal que deve viver
para ser realizado.

E por ser assim, nem as luzes,
nem as trevas, mas o equilíbrio do silêncio,

por onde vagam, brincando feito crianças,
os pensamentos e os sentimentos.

 
Gilberto Brandão Marcon
Enviado por Gilberto Brandão Marcon em 16/05/2009
Reeditado em 16/05/2009
Código do texto: T1597639
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