TEU CÃO É FIEL, MAS PODE ESTAR FAMINTO...
Um dia teu fiel cachorro
Que dorme à soleira da porta
Latirá em fremente martírio
Querendo que tu acordes
Para o passeio de domingo...
E após horas ladrando
Perceberá que teu corpo
Não mais acolhe a alma
Do ser que lhe dava carinho,
Que lhe escovava os pêlos
E colocava em sua tina
Ração e água fresca,
Redobrando-se em desvelos
Uivará por um bom tempo...
Chorará enrabichado pelos cantos
Gemendo e mexendo o focinho;
Ouvirá por vezes em engano
Tua voz por dentre os ouvidos...
Por fim, terá que cuidar da vida;
A fome lhe seguirá pedindo comida!
Teu renitente cão entenderá
Que há outro alguém
A colocar-lhe proventos
Naquelas velhas tinas...
Embora ninguém,
Ninguém mais que tu
Faça-lhe tanta falta nesta vida...
Mas decerto,
Não tenhas dúvidas...
Caso demorem a encontrar
Teu esticado corpo
Estragando aos lençóis,
Apagado e inerte,
O canino sem outra opção
Modificar-se-á em outra espécie...
A necessidade o fará hiena ou lobo...
E um novo e instintivo bicho surgirá
Agradecido por ainda ali estares
Desmanchado em postas de carne!
Sentirá a ávida boca salivar,
Morderá e engolirá tuas tripas,
Em prol da própria sobrevivência
Sem um mínimo de mal-estar!
Quão estranhas
E verdadeiramente lindas
As sábias alternativas
Do manifestar da natureza...
Inteligência, crueza,
Rústica delicadeza,
Sem deixar faltar emoção!
A morte nutrirá a vida,
Pelas dentadas de teu devotado amigo
Que digerirá em pequenos nacos,
Provavelmente muito comovido,
Tua última obra de compaixão:
Doar-se de corpo inteiro
A um nobre companheiro faminto...