Fado revogável

«... E voltei para esta casa que é a única onde nasci,

como todas as casas que são casas que acolhem,

dentro do mesmo corpo irregular e frágil,

com idêntico assombro da passagem da vida.

Hoje e então, ofereço aos meus mortos

este poema que traça uma procura

habitual, simples como o pão e a madeira,

intranscendente, fiel a quem sou ou imagino....»

(Celso Álvarez Cáccamo, «Esta última noite

do Verão vaguei muitas horas na cidade ...»,

poema colocado no foro "Só poesia", do PGL

em Ter Set 23, 2008 1:42 am)

Voltamos reiterativos, repisando,

à casa em que nascemos cada vez

que provocamos (penso, opino, nem sei...)

alguma lembrança, subtil ou complexa,

tanto tem. E, ao voltarmos (digo-o por mim),

parece como que aquele formoso edifício

foi convertido em banco ou em comércio

de dinheiros e tristezas e acaso, alguma vez,

de diminutas esperanças, com forma de poema

ou talvez como pão, mas o próprio de broa,

autêntico e agarimoso, ou, quem sabe (quiçá), figura

talhada em madeira por mão de artista ignorado,

lá, na África dos desconfortos cumulados por Ocidente.

Seja como for (fórmula quase ritual), em regra

nos imaginamos de um determinado jeito,

nem sempre igual, mas sempre sinuoso... Agora,

alegres; depois, tristes; hoje, entusiastas; amanhã...

«Che sarà, che sarà, che sarà

»che sarà della mia vita, chi lo sà

»so far tutto, o forse niente, da domani si vedrà

»e sarà, sarà quel che sarà.»

Continua a canção de jeito que não seria bem visto

reproduzi-lo aqui e neste contexto... Mas, se o referir

a quem corresponder, Celso e amigos todos,

amigas todas,

digo-lho sem medo a quem corresponder:

«Amore mio ti bacio sulla bocca

»che fu la fonte del mio primo amore...»

Isto me lembra uma zarzuela do Sorozábal,

“Don Manolito”, em que, à maneira de ritornello,

repetem uns e outros (não lembro, não o tenho bem presente...)

algo referido ao amor*. Mas nem italianos, nem hispanos:

são os galegos e os seus descendentes em língua

e em sentimentos os autorizados para cantar

em moinheiras ou em sambas ou em fados

o amor estremecido por beijos ou por saudades:

«Eu queria cantar-te um fado

»Que toda a gente ao ouvi-lo

»Visse que o fado era teu.

»Fado estranho e magoado,

»Mas que pudesses senti-lo

»Tão na alma como eu.

»E seria tão diferente

»Que ao ouvi-lo toda a gente

»Dissesse quem o cantava.

»Quem o escreveu não importa

»Que eu andei de porta em porta

»Para ver se te encontrava.

»Eu hei-de pôr nalguns versos

»O fado que é dos teus olhos

»O fado da tua voz.

»Nossos fados são diversos

»Tu tens um fado eu tenho outro

»Triste fado temos nós.»**

Deixemo-lo estar...

Cada um veja que lhe pode importar.

....

(*) «Dicen que el amor se queja / por falta de actividad. / Dicen que el amor se queja. / Y yo creo que es verdad» ou «En el amor y en el juego / no vale farolear...» ou «El amor no es como un niño...» São algumas das letras...

(**) Autores: A. De Sousa Freitas / F.Godinho.- Fado Franklin de Sextilhas.