TRACTATUS... II (17).- História / Transitória ... (e C)

XXVII (C)

Mas não foi de todo possível:

Voam os tempos e as misérias.

Voam os abraços e os beijos.

A lascívia, na inocência,

«diz-me que não».

Porém, procuro (ainda) a beleza rotunda aos olhos

e ao coração, mais forte do que aos sentidos...

A fantasia navega por residências,

dantes ignoradas,

que nem Jardim nem Caverna,

quase mistério

oferecem.

Não vejo já montes:

mergulho-me neles, flautista meigo...

Não ratos nem meninos,

mas desejos, vou trazendo trás mim,

carga de amores e sensualidades,

a gravitarem,... a martelarem

as concavidades escuras dos sentimentos.

Lá, no escuro, dedilho êxtases e arrebatamentos.

Semento ardor lúbrico e melodias

em campos de beleza imaginada.

Porque a certeza antiga esmorece na sombra,

intangível, fugidia,

e abate-se,

como água em turbilhão,

contra a ordem social

e contra os palácios e os caminhos.

A Concha torna-se tridente impreciso.

O Disco abandona a clareza jovial

das idades singelas e simples.

O Nenúfar, em sóbrio

abraço de praga,

requebra-se.

É o Cajado, a serpente primitiva,

a força total da vida plena,

que escorrega pelas abas

das montanhas quase mortas,

quase em agonia de suspiros.

«Um corpo aos pedaços levanta-se do chão»:

Ainda espera o ressurgir do peito

e da ternura e mesmo do prazer.

Espera, nas mãos as cinzas do Cajado...

Lençóis sem cobertores,

campanha de amor nu,

ainda, ainda espera...

Flagela-me o desejo,

a voltejar volúpias na carne.

É a lascívia a vergastar a mente

perdida no Jardim da delícias

e nas sombras da Caverna de Platão.

«Aspirar alturas

»Dançar no deserto

»Nosso eterno tema

»Desígnio escrito à luz

»Da história»

(Cristina de Mello, 2006)