TRACTATUS... (14): Se lírico, não épico ... // Meu Senhor Jorge Sampaio: ...

XXII

Se lírico, não épico

(dizem manuais excessivos):

mas que mais descoberta lírica

que a épica

plena do quotidiano?

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Eis uma missiva que evidencia como é que em diurnal situação, plena de vis épica, reborda lirismo sublimado:

Meu Senhor Jorge Sampaio:

É com muito prazer que ouso dirigir-lhe estas palavras [...] de correção (fraternal) a umas suas que o FALCÃO DO MINHO lhe atribui, acho que com toda a verdade. [...]

É às autoridades espanholas que cumpre dizer-lhes desde a República portuguesa e por autoridades portuguesas «nuestros hermanos». [...]

Mas, se o Senhor estava a dirigir-se ao Povo [...] da Galiza, a expressão que deveu dizer é a portuguesa, por ser a galega própria: «nossos irmãos». Os galegos, os que o hino da Galiza [...] denomina «bons e generosos» sentem-se maltratados e até desprezados quando os irmãos portugueses os consideram simples espanhóis: São espanhóis administrativamente, apenas. Mas na cultura e no coração são mais do que espanhóis, são «galegos»; estimam-se decerto descendentes dos galegos que construíram quer a língua mais poética da romanidade cristã, quer os templos mais sólidos para a oração, quer as naus melhor preparadas para as descobertas renascentes.

Com certeza a Galiza (hoje espanhola) não é a que foi, como a Galiza portuguesa -ou Norte de Portugal- não é a que foi. Mas com igual certeza os bons galegos e portugueses hão-de considerar-se filhos ou netos, talvez não excessivamente dignos, de aqueles galego-portugueses que levaram a Cruz e a língua pelo mundo adiante, a sua maneira de ver as cousas, morrinhenta e saudosa, alegre e descontraída.

Se a União Europeia não serve para libertar todos os Povos europeus do enferrolhamento do estado moderno, «descendente» bastardo do antigo, absolutista; se os políticos de pretensa orientação europeísta continuam a tratar-nos como súbditos e não como cidadãos livres, culturalmente livres, donos da nossa língua, como da nossa história; se, em particular, os políticos portugueses não valorizam a situação linguística e cultural da Galiza na sua verdadeira e triste extensão e apenas procuram «la buena hermandad con nuestros hermanos», melhor seria que nem União Europeia houvesse.

Confio em que este meu apelo seja entendido no justo sentido. Em todo o caso, tenha-me ao seu melhor dispor.

Cumprimentos cordiais:

António Gil Hernández/

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Esta carta foi publicada no FALCÃO DO MINHO (jornal regional do Norte de Portugal).

Notícia sobre Jorge Sampaio (Jorge Fernando Branco de Sampaio) (Lisboa, 18 de Setembro de 1939- ), ex-presidente da República portuguesa entre 9 de Março de 1996 e 9 de Março de 2006, pode ler-se em http://www.presidencia.pt/?idc=13