Este é o canto de nossas horas
Deixai-me chorar o pranto de não estar ausente,
Deixai-me cair, infecundo, na terra do meu segredo,
Deixai-me amar a mulher que me enche de volúpias e medos,
Deixai-me sozinho, em meu quarto,
Com essa solidão e esses sonhos e esses amigos falsos.
Mudemos de conversa: que o amor te encontre, meu amigo,
E te guie nos momentos em que divides
Entre tua calma cotidiana e teu sono de desespero,
Entre quem tu desejas e quem de fato amas,
Que o amor te desperte antes que abras os olhos,
Pois em tua vida sempre estiveste indeciso entre
A felicidade efêmera e o sofrimento verdadeiro,
E que o teu céu esteja despido de mentiras,
Com pássaros que cantem novas esperanças,
E que descubras Deus no sorriso das crianças.
Mas eu penso, e a melancolia e a dor me invadem:
Quem cantará as árvores resplandecentes onde brincávamos?
Quem cantará o que ficava atrás dessas árvores
E os abraços que, em silêncio, ainda guardávamos?
Nada ficava perdido, mas era permitido rir com pureza,
De encontrar um amigo o coração ainda repleto de certeza,
As mãos povoadas pelas perspectivas do dia seguinte,
De esbarrar em um amor que roubasse o nosso sono pedinte...
As coisas que vejo e sinto, cantadas por outrem,
Jamais serão como são agora:
As ruas em agosto,
A verdade a cantar lá fora,
A chuva ausente,
Os abraços e os gestos displicentes,
O gosto e os desgostos
De ainda acreditar no amor que se sente.
Este é o meu pobre canto,
Este canto é o canto simples e real de paixão!
Este é o canto da união e da separação,
Este é o canto do beijo sincero e da traição,
Este é o canto para se descobrir quem somos
E rasgar as máscaras de nossa mesquinhez e perversão.
Este é o canto cheio de espantos e encantos
Por uma vida em que brotem belezas, propósitos
E canções cheias de paixões e amores em nossos corações!
Esta é a hora de percorrermos todas as estradas,
Esta é a hora de rasgarmos todas as verdades e placas,
Esta é a hora de gerar o Hoje no ventre fértil do Nada,
Esta é a hora de aproveitarmos todos os momentos,
E com as tábuas do Amor vencer o medo e o sofrimento.
Esta é a hora de plantar,
De ter dúvidas e ainda assim semear;
Esta é a hora de colher afetos e saudades,
Esta é a hora dos sinos da Felicidade,
Das manhãs com café, piadas e alguns risos,
Horas sem demoras de conversas e suspiros!
Agora, sim! Agora é a hora de se viver,
Não só existir; mas amar, lutar, sonhar...
Este é o canto da hora de se renascer!