PRIMAVERA SIMPLESMENTE

PRIMAVERA SIMPLESMENTE

Tens cabelos de sol,

E os olhos de céu

És o sonho, este léu,

No frescor do lençol.

Tens na boca estrela,

E perfumes da noite;

És criança, és açoite,

Esta fonte a rete-la.

Tens nos sonhos florestas,

Tens no corpo o mar;

Este som, esta festa,

Melodias no ar.

No desejo a esperança,

Tens nos lábios o fogo;

Meu prazer, este gozo,

Na ciranda pés a dança.

És a noite estrelada,

E pandorgas ao vento;

A caricia, o fermento,

Minha lavoura encantada.

És criança brincando,

A procura de sonhos;

Neste tempo risonho,

Onde vivo cantando.

És no seio da terra,

A semente amanhã;

E no beijo a maçã,

A enfeitar minhas quimeras.

És a voz ventania,

Folhas livres ao vento;

Onde a dor, o lamento,

Não vicejam jamais.

Nas tardes de nostalgia,

És sombra ao viajante;

Minha sopa escaldante,

Nestas noites vazias.

Um barquinho de papel,

Em meus sonhos crianças;

Onde a vaga lembrança,

É um pássaro de mel.

És o ponto imaginário,

Entre o côncavo e o convexo;

És o gosto sem nexo,

De um modo ordinário.

Tens as cores do infinito,

No semblante inocente;

Esta dor que se sente,

Se completa no grito.

Sendo assim és vertente,

A formar oceanos;

Nesta magoas és engano,

Onde o amor é envolvente.

É um campo de flores,

O perfume da vida;

És desejo, odores,

És por mim tão querida.

Tens na alma a luz,

A guiar os caminhos;

Este amor temerário,

Que me faz ser sozinho.

És palavra alegria

Tatuagem de Deus;

A real fantasia,

Que me faz ser só teu.

Onde o belo é possível,

E o plausível é real;

Este amor impossível,

Envolvente e fatal.

Tens a marca do tempo,

No perfume das flores;

Tens caricias dos ventos,

Nas manhãs de domingo.

És a tênue centelha,

De uma estrela cadente;

És azul pássaro, a abelha,

Primavera simplesmente.

*J.L.BORGES