O CLUBE NOVENTA E NOVE

O CLUBE NOVENTA E NOVE

(Adaptado de Texto em Prosa enviado por Walter Oliveira Dias)

(Versão Poética, William Lagos, 5 set 2014)

O CLUBE NOVENTA E NOVE I

Era uma vez um rei e sua grande riqueza:

tinha largas terras, vasta soma de dinheiro,

milhões de súditos, milhares de soldados,

poder, conforto, liderando com nobreza

o séquito que o siga

porém sem ser feliz;

sempre empós de objetivo derradeiro;

por perder o que era seu tendo cuidados;

grandes as rendas, porém grandes despesas,

soldos pagava, os uniformes e os calçados

e nas suas meses havia centenas assentados:

nobreza obriga!

A honra assim o quis!

O CLUBE NOVENTA E NOVE II

Um dia o rei nos corredores caminhava

de seu lindo palácio, preocupado

com as questões surgindo nas fronteiras

e ainda pensando que a morte se acercava,

sempre faminta,

junto com a idade...

E viu um servo em suas tarefas concentrado,

lustrando o piso com duas enceradeiras:

primeiro a grossa, depois lisa passava,

dando duas mãos, talvez mesmo terceiras,

o chão brilhando sob suas esteiras;

quase que o pinta

com alacridade...

O CLUBE NOVENTA E NOVE III

Então Sua Majestade reparou

a expressão de alegria do empregado

e como ele assobiava ao trabalhar

e com surpresa, percebeu que o invejou,

pois julgou-o ser feliz,

mesmo tão pobre...

E nem ao menos parecia preocupado

que o grande rei o estivesse a avaliar;

mas no momento em que sua presença reparou,

parou a tarefa, pelo tempo de tirar

a velha touca para seu senhor saudar:

o costume assim o diz

e se descobre...

O CLUBE NOVENTA E NOVE IV

Mesmo então, ele à vontade parecia

e até orgulhoso, ao demonstrar respeito...

Então o rei lhe indagou qual a razão

de sua alegria, enquanto a melancolia

sobre o rei da terra

tanto pesava!...

“Majestade, é que me dou por satisfeito,

porque tenho trabalho e profissão;

Vossa Majestade me concede moradia

e para os meus sempre levo a refeição;

em minha velhice aguardo uma pensão;

não temos guerra

e me alegrava!...”

O CLUBE NOVENTA E NOVE V

“E é a Vossa Majestade que agradeço

por nosso reino estar mantendo em paz

e com justiça a todos nos tratar...

Até roupas me dá, que mais eu peço?

Descanso à noite,

com minha mulher...”

Mas a resposta ao rei não satisfaz...

Como esse pouco lhe podia bastar?

Eu tenho tanto, que nem ao menos meço

e não consigo à noite descansar,

tantos problemas a me perturbar

como um açoite,

sem paz sequer!...

O CLUBE NOVENTA E NOVE VI

Foi então o rei consultar um conselheiro,

que era a pessoa em quem ele mais confiava

e as condições do empregado lhe indagou:

“Quanto é que lhe pagamos em dinheiro?”

“Se é um servente,

Trinta ceitis...”

“Mas por que então assim alegre trabalhava?

Será que casa ou chácara ele herdou?”

“Não, Majestade, ele é só um seu rendeiro;

a choupana o castelo lhe emprestou;

como alimento, leva aquilo que sobrou...”

“Mas por que mente

ser tão feliz...?”

O CLUBE NOVENTA E NOVE VII

“Majestade, até acredito que é sincero,

porque, de fato, não tem grande ambição;

o que possui lhe basta, na verdade...

Porém resposta posso dar-lhe, espero:

é que ele não faz parte

Do Clube Noventa e Nove...”

“Mas em que isso lhe afeta a condição?”

“É melhor que lhe demonstre, Majestade...

Com um artifício, a inquietação lhe gero...

Mas para atender à real curiosidade,

ao serviçal causar irei a infelicidade...

Não será arte

que enfim se louve...”

O CLUBE NOVENTA E NOVE VIII

“Mas como assim? Não quero que o torture!”

“Nada de físico, realmente, Majestade...

Antes sugiro que lhe dê um bom presente:

certa quantia que por toda a vida dure

para uma pessoa

nas suas condições...

Se para tanto me der a autoridade,

enviar-lhe-ei o dinheiro suficiente

que da “doença da alegria” o cure...

Noventa e nove moedas, realmente,

de ouro puro, que o deixarão contente,

porém fonte boa

de ruins tentações...”

O CLUBE NOVENTA E NOVE IX

Ambos movidos pela perversidade

desses ricos que se sentem entediados,

decidiram realizar a experiência

e nessa noite, em secretividade,

um saco lhe deixaram,

cheio de ouro,

junto à porta e se esconderam, apressados,

entre as moitas, aguardando com paciência

o resultado de sua falsa bondade...

Pegou o saco o serviçal, sem ter ciência

do seu conteúdo; e sem qualquer clemência

os dois o observaram

vendo o tesouro...

O CLUBE NOVENTA E NOVE X

Levou-o para dentro da choupana

e somou-lhe o conteúdo sobre a mesa:

noventa e nove moedas de ouro, reluzentes!

Como presente de uma deidade soberana!...

Contou outra vez:

não eram cem!...

Pensou que uma rolara com leveza;

varreu o chão, em golpes impotentes;

sua alegria inicial logo se empana;

contou de novo, em tentativas bem frequentes

para encontrar a centésima, pungentes

suas dúvidas, talvez,

sem nada achar, porém!

O CLUBE NOVENTA E NOVE XI

Nem por momento pensou algo gastar...

Aquela moeda encheu-se de importância,

a diferença entre a penúria e sua riqueza...

Se ao menos uma eu pudesse acrescentar!

Mas só ganhava

trinta ceitis...

Levaria anos, poupando com constância,

para juntar o suficiente, com certeza

e um valor de mil ceitis amealhar!...

Já não mais se conformava com a pobreza...

Trabalharia até de noite! E a avareza

já inteiramente o dominava:

pobre infeliz!...

O CLUBE NOVENTA E NOVE XII

Doravante, mudou todo o seu humor;

passou a vender da hortinha a produção

que antes a dieta da família melhorava;

trazia a comida do castelo com rancor:

tudo comiam,

nada sobrava!...

De porcos iniciou uma criação;

ia na mata e uma cesta carregava,

colhendo bagas e bolotas com fervor,

só para ver se assim ele engordava

os seus suínos e as cem moedas alcançava,

mas dele riam:

ninguém comprava!...

O CLUBE NOVENTA E NOVE XIII

Todos na vila eram bem alimentados

pelas sobras abundantes do castelo;

quem não era soldado, era servente...

Passou os filhos a maltratar, coitados!

E nem assim

completou as cem!...

Perdera o orgulho do resultado belo

do trabalho que o deixara tão contente;

suas tarefas só a cumprir com desagrados,

por mais ceitis a desesperar-se diariamente,

sua saúde a desgastar visivelmente:

péssimo fim

de um grande bem!

O CLUBE NOVENTA E NOVE XIV

E vendo o rei que não mais assobiava

e que até mesmo o contemplava com rancor,

foi de novo consultar seu conselheiro,

pela interpretação do que notava...

“É que o servente

no clube entrou!...

O Clube Noventa e Nove é formado, meu senhor,

por pessoas que já possuem um bom dinheiro,

mas ainda julgam que algo lhes faltava...

Vivem em busca de seu alvo derradeiro;

mas quando o alcançam, um novo ideal matreiro

chegou silente

e os dominou!...”

O CLUBE NOVENTA E NOVE XV

“Bem lhe avisei que seria uma maldade

e para sempre o deixaremos infeliz...”

“Mas se outra moeda eu simplesmente dou?”

“Será inútil o seu ato de bondade,

porque agora

vai querer mais!...

A ambição com a alegria não condiz

e a qualquer um a quem a avareza dominou

não tornará outra vez a felicidade...

Mas a lição para vós mesmo aproveitou?

Sua melancolia agora o abandonou

e foi-se embora,

para o jamais...?”

EPÍLOGO

Pensou o rei com cuidado na lição,

que bom proveito, de fato, lhe trouxera...

Só o remorso algum pouquinho o afligia

e ao empregado deu uma nova posição,

melhor salário,

melhor moradia...

Porém a felicidade, quem lhe dera!

ao empregado ele jamais devolveria,

mesmo gozando de excelente situação,

as cem moedas completando, mais queria:

juntar duzentas ou mais preferiria...

Sem ao contrário

querer mais alegria...

E se esta história lhe despertou a compaixão,

não peça ao Clube Noventa e Nove o seu cartão!

William Lagos

Tradutor e Poeta

Blog: www.wltradutorepoeta.blogspot.com