A Criança que vive em mim.
Dei-me conta da criança que um dia fui,
Que vive em mim, e à qual sou grata,
Não poderia esquecê-la nem deixá-la morrer.
Foram e são tempos bons e inocentes
Sem as armadilhas perversas doutras idades
Que por vezes nos assaltam sem piedade.
Presto-lhe a homenagem de meus sentimentos
Sua evocação suaviza os difíceis momentos,
Com esta menina aprendo a viver.
E assim me faço intenso a evitar sofrer
Por não deixar o tempo ao espírito desaquecer
Tudo então ganha sentido e bela coloração.
Observo através das recordações, nos jogos,
doces gestos, pensamentos e inclinações,
Isto revela-me a doçura da sensibilidade.
Que depois reponho e componho na saudade
Nos versos mais simples e nas entonações
Entôo cantos e ouço as mais lindas canções.
Ao recordá-la, enlaço-a a minha existência,
Ela me inspira, me alegra e me vêm sensações
Através de palavras e sorrisos inocentes.
Assim tudo ganha graça, sentido interessante
Porque eu sinto vibrar a força aqui presente
A impulsionar a alavanca que ergue a mente.
A segurar atos, habilidades e pensamentos
Não quero cometer este crime simbólico
E por isto evoco a criança com satisfação,
Ela me dá a pedra de toque da emoção
Também não quero deixar morrer a jovem
Que envelhece rápido a sentir vertigem.
Minha existência é um todo, hoje sou do ontem
A continuação, e do amanhã a construção
Assim minha vida não se perde em blocos.
São alicerces e sustentáculos da satisfação
Por isto admiro a simplicidade nos gestos,
Que formam o mosaico da autenticidade.
Nas atitudes onde não tem lugar a maldade
Vejo-me a colher flores com toda a liberdade
Do natural ao transcendental das traquinagens.
A subir em árvores de variadas espécies, a
Colher frutos e por insetos ser picada,
Chegando a casa com minha roupa rasgada.
Sentar-me ao colo de meus pais com carinho
Dar e receber os afagos na maior ternura
No cheiro e no cafuné coberto de doçuras.
Às vezes, sair disparada, a correr
da avó para não levar uma chinelada
Tudo isso traz no seu bojo a eternidade.
Na parreira colher deliciosas uvas, cultivadas
Com amor pelo meu pai. Sentir alegria de viver,
Sem tristezas, tudo era somente prazer.
E aqui nesse dueto eu revivi ao escrever
O menino, a menina que apesar de crescer
Está ainda dentro de mim a me enternecer.
"Quando me for deste mundo partirão duas pessoas. Sairei de mão dada com esta criança que fui. " José Saramago.
Duo: Arlete Brasil Deretti Fernandes e Hildebrando Menezes