PRIMAVERA

A gente da cidade grande precisa ter fantasia para

sentir no ar os prenúncios da PRIMAVERA. E fico

lembrando os idos da minha infância, quando via a

lua grande num céu escampo. Ouvia a cigarra, o

canto monocordeos dos sapos, e os grilos, na quietude

mansa de uma cidade do interior. Sentia o cheiro do

capim molhado de orvalho, via a roseira pendendo

de flores e os brotos abrirem a terra, ávidos de luz,

de sol.

E agora? Onde está a PRIMAVERA? Está na

minha fantasia, quer e cria e traz as sensações

distantes. Moro na cidade grande, longe do capim de

cheiro. Mas a PRIMAVERA é um estado de

espírito, e eu sinto que ela canta dentro de mim a cada

dia que nasce.

E penso em Fernando Pessoa: "Sê todo em cada

coisa. Põe quanto és. Assim em cada lago a lua

brilha, porque alta vive". Sigo seu sábio conselho,

pondo beleza em tudo que faço, vendo beleza em

tudo que encontro. Transbordo o imenso carinho

que sinto pelas pessoas, e gosto de todos.

Os defeitos? Ora, os defeitos quem não os tem?

Somos frágeis mas também fortes. Carregamos um

caudal de amor. E o amor?

É Vinicius que o define como ninguém: "O amor é

uma obra de 24 horas diárias que deve ser

trabalhado, lapidado e aperfeiçoado."

Mas aqueles capazes de fantasiar, sentindo a

PRIMAVERA numa cidade de concreto, têm

muito amor, e, creio, acharão linda a lua, remota e

sem brilho, escondida na bruma, e verão até as

estrelas. Esses são privilegiados, e posso garantir

que nunca sentirão angústia existencial, pois para

eles, a PRIMAVERA é um estado de espírito.

Celisa Diniz Corrêa