Murilo

Nunca me dei por uma transformação

tão abrupta e tão sutil.

Sinto meu cerne se avolumando,

meu ventre se extendendo paulatinamente.

Meu corpo muda de forma

e muda de forma minha psiquê.

Recebo em mim um hóspede

que se revira,estica e reclama o pouco espaço.

Anuncia que está presente,

vivo,ativo e sedento de tudo

o que o destino lhe reserva.

Seu pulsar é o meu pulsar,

mas de fato não é minha extensão,

mas um coração único,

livre para se agigantar

de toda a beleza do mundo real

ou platônico.

Mora em mim e decora minha alma

com flores do campo todas as manhãs.

Baila ao som da melodia de minha voz

cotidiana a cantarolar os farelos de sol.

Aí está seguro,

protegido,

distante das mazelas humanas,

mas também longe

da magnitude da descoberta,

da deliciosa partida de xadrez

que que é a vida.Ora,cavalos de coragem avançam,

ora são engolidos por torres impiedosas e bispos famintos.

Dentro de mim não alcança a

o deleite da leitura machadiana,

não escuta a poética de Guimarães Rosa,

não saltita com a língua de Drummond,

não se contagia pela simplicidade de Cora,

não se alegra com As quatro estações de Vivaldi,

não se entristece com a Marcha fúnebre de Chopin,

não sangra com as canções de Gonzaguinha,

não se embevece com a música de Chico,

não penetra na dor das pinturas de Frida Khalo,

não se desmancha na imagética de Portinari,

nem se emociona com os causos de Boldrin.

Eu que o queria para sempre dentro,

entrelaçado em minhas víceras,

tão perto de minhas profundezas,

engulo meu egoísmo,

faço a contagem regressiva,

aceito a natureza

e eis que surge no palco do planeta Terra:

o encantador Murilo.

Kely Karenina
Enviado por Kely Karenina em 22/12/2009
Código do texto: T1990174
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