A Dança do Tempo

(Quinta e última Razão Para Ser Poeta)

A contemplar o viajante me ponho na estrada

Pois, todo aquele que olha se torna

Já morri com o inverno sob o canto de cigarras

E caminhando com Pessoa fui o “burro do moleiro”*

Reminiscências de uma arte natural que representei.

O que ouviria o peregrino, ao cruzar em sua

Vereda, do banguela sorridente?

“__ Esqueça a volúpia do tempo

Que existir é só momento

Na eternidade do todo

Tão fugaz e duvidoso

Como raio e pensamento.”

Não! Não saberia dizê-lo!

Ele apenas sorriria, volveria o olhar

Ao âmago da linguagem.

Fragmentados átomos são a palavra nas

Mãos do poeta.

O Tempo, fortaleza divina,

Destoa-nos em lapsos de percepção.

O carrapato a secar o burro

Na estrada em que não há poeira

A carroça, indiferente, segue em frente

Rotos parafusos a cantar no asfalto

Na pára mão dessa via, dessa metáfora da vida

Caronte*, a rever um dos seus

Lamúria a pobre alma que não teve com seu deus.

E as cigarras secam nos parques

Cantam para a morte

Valquírias* de sua auto-providência

O prelúdio da desconstrução:

Acenda uma vela e terá traçado o destino

Das mariposas.

A beleza que ressurge em “violência”

Portentosa Primavera, quer lembrar do mundo

A remota adolescência.

E no vaivém da vida

O que diria o peregrino ao carroceiro sorridente

Ao revê-lo em suas andanças?

“__ Quero uma canção que cante o menino que,

Perdendo o pai, após curto viver, remete

Para si o olhar repleto de sabedoria,

E por fim conclama:”

“Em vozes trêmulas se derramam os fins de tarde

E o vento, instrumental em seu movimento

A entreter o carroceiro suado

Eis o acorde do tempo!

Não há defeito nesta vida

Por um tumor, a natureza se recria

Mas, também não é um mundo perfeito

O que Deus profere o Pôr do Sol apenas balbucia.”

Fora, talvez, este menino

__ Sejamos todos!

E de metro a metro, de sol a sol

A carroça, no asfalto porfia.

E o barqueiro da vida volverá a este mundo

Suas Cigarras-Valquírias

Engenhosa armadilha para matar os poetas

Que morrerão com os que morrem

A criança chora a morte de um velho

A África chora por suas crianças

Quem há de chorar a morte do poeta que

Um dia pranteou por todos?

NOTA:

Valquírias -- Na mitologia nórdica, são divindades que se oculpam da providência dos guerreiros. São seres enviados do sub-mundo para levar os guerreiros, quando é chegada a hora da morte. Eles morrem de forma violenta.

Caronte: Na mitologia grega, Caronte é o barqueiro do sub-mundo que conduz as almas dos mortos para o outro lado do rio. Em alguns lugares do mundo, tradicionalmente, são colocadasduas moedas sobre os olhos de quem morre. Seria o pagamento ao barqueiro para que a alma atravesse o rio e não fique vagando, perdida, pelo mundo dos vivos.

" Burro do moleiro" -- " Quem dera eu fosse o burro do moleiro. Que ele me batesse e me estimasse. Antes isso que ser aquele que atravessa a vida olhando para tras de si e tendo pena".

Alberto Caeiro - F.P.