Eu sou Negra

A minha negritude caminha...

pelo alfabeto com as letras

pelos torrões desse país,

como a dos mais de 50% por cento dos brasileiros

Eu sou Negra.

Oh! Não me atires pedras.

Não se deixe tomar pelo constrangimento.

Por alguém como eu,

de pele tom desbotado,

sem nenhum traço negro expressivo.

Está diante de ti dizendo: eu sou Negra.

Não te sintas insultado, insultada.

Vais até Quilombo dos Palmares,

pede audiência com Zumbi,

E a ele perguntas, quem eu sou.

E ele te dirá:

Que sou descente, afro descente.

Que, como os teus ancestrais,

os meus, aqui também,

chegaram em navios negreiros.

Que os meus ancestrais, como os teus...

Também foram para o tronco,

amarrados e açoitados!

Que as minhas ancestrais,

como as tuas, também,

Foram transformadas em amas de leite!

Ele ainda dirá...

Que a minha ancestralidade negra, como a tua,

Vem de longínquo.

Vem lá do século dezesseis,

dos primeiros negros que aqui chegaram.

Que os meus ancestrais, como os teus...

Também, tiveram sonhos entre correntes.

Foram marcados com ferro quente,

como quem marca gado.

Que os meus ancestrais, como os teus...

Foram navalhados pelas navalhas,

das palhas de cana de açúcar.

Foram máquinas nas minas gerais.

Foram lombo de burro, nos cafezais.

Foram almas torcidas nas noites fugidias.

Mas como os teus ancestrais, os meus...

Foram além do tronco, do açoite, das correntes,

lutaram pela liberdade!

Fundaram uma sociedade alternativa...

Viva, a Quilombo dos Palmares!

Viva, a Zumbi!

Viva, a rebeldia negra!

Que chorou, mas não ajoelhou.

Que quebrou correntes,

e disse não a escravidão!

Sendo assim, como tu

Eu sou Negra....

[...]

Mas se ainda assim,

Te sentes insultado, insultada

Por alguém como eu...

De pele tom desbotado,

Sem nenhum traço negro expressivo,

está diante de ti dizendo: eu sou Negra.

Então, perguntas,

A tua consciência negra...

Quem eu sou...

Camaçari, 11 de novembro de 2018.