OUVI-ME VÓS
“No Dia de Santo António”
Vendo tão grande aridez
Nos homens de alma vazia
Frei António duma só vez
Fez jus à sabedoria.
Deixou praças foi ao mar
À praia, os peixes, chamou
E com um mágico pregar
Fez sermão qu´ os encantou.
“Irmãos peixes, meus irmãos,
Tenho que vos confessar,
Meus argumentos são vãos
Para os homens conquistar.
É tal a humana loucura
Que em todos já fez cegueira
E toda a humana criatura
Põe a Deus na prateleira.
Em cada dia que passa
Nos mais escassos momentos
Vemos um mundo sem graça
Rodeado de tormentos.
Todo o poder instaurado
Despreza as puras verdades,
Cada projecto engendrado
É uma feira de vaidades.
Para eles só há negócio,
Esquecem Deus o tempo inteiro,
Nem casamento nem divórcio
Só um Deus: o seu dinheiro.
Vós, porém, com toda a estima,
Viveis bem e tomais tino,
Sois de Deus a obra-prima
E conheceis o vosso destino.
Vós sois filhos da natureza,
Não vos podeis esquecer,
Que entre vós, com certeza,
O mesmo pode acontecer.
Os mais de vós sois pequenos,
Tendes migalhas e pouco mais,
Se não conheceis os terrenos
Sereis carne pros demais.
Quando temeis sois cardume,
Fica-vos bem a união,
Os maiorais têm ciúme
Puxando pra si a razão.
Vós, peixes, sempre quereis
Da vida tirar proveitos
Mas os fortes, como sabeis,
Tomam conta dos direitos.
Abri bem os vossos olhos
E refreai vossas escamas
Para escapar aos escolhos
E ao perigo das tramas.
E vós, ó peixes maiores,
Que vos julgais invencíveis
Destruí vossos horrores
Pois também sois perecíveis.
Para os oceanos bem fundos
Levai a vossa tirania
Perante os fracos sois imundos
E não julgueis em demasia.
Há redes para os pequenos
E pros maiorais há arpões
Contai c´ os humanos venenos
Que vos matam as ilusões.
Há mares baixos e estreitos
E há imensas maresias
Há sargaços e há defeitos
E ninguém vê serventias.
Peixes de todos os tamanhos,
Iguais, mas sempre diferentes,
Não queirais por entre estranhos
Serdes comidos p´ las gentes.
Não sei que mais vos direi,
Apenas, que sejais felizes
Convosco a Deus pedirei
Para vos livrar dos deslizes.
Acreditai nas esperanças
Dos mares azuis de bonança
E pra terdes águas mansas
Uni-vos com temperança.
C´ os homens nada a fazer
Pois qu´ o bem já não os seduz
E, quanto ao como devem ser,
Preferem as trevas à luz.
Coitada da Natureza,
A terra, o mar e o ar:
O homem é uma tristeza
Vós, Peixes, sois d´ encantar!”
Frassino Machado
In JANELAS DA ALMA