FESTA NO SENTINELA

No ano de sessenta e quatro,

dezenove de dezembro,

revendo "ontem" eu me lembro

do CTG SENTINELA

DA QUERÊNCIA, a cancela

do Rio Grande, sempre aberta,

quando o campônio desperta

com a lua ainda na tão bela.

Foi o grande Martimiano,

pai da Salete e o Pedrinho,

nosso primeiro padrinho

nosso primeiro Patrão.

Lembro-me do seu jeitão

sereno e moderador,

dos que quando cantam flor

são cobertos de razão.

Corria o ano sessenta e cinco

quando mãe convidou-me

e também ordenou-me

que levasse a minha irmã,

noite de chuva pagã

para um ensaio de invernada,

'stava a semente lançada

na lavoura do amanhã.

Foi na falta de um peão

lembro-me, no "Pau-de-fita",

o posteiro olha e me grita:

você aí que está parado,

deixe a preguiça de lado

complete o que está faltando,

uma prenda foi enganchando

e eu troteei muito assustado...

Se contassem os pelegos,

encilhava uma manada,

a prenda saiu pisada

olhando-me atravessado,

mas eu, todo encabulado

defendi-me como pude,

a empreitada era mui rude

e eu me sentia embaraçado.

Quando terminou o ensaio

eu estava bem abombado,

suava de todo molhado

como pinto em dia de chuva,

como um tonel de cabriúva

pelos poros destilando,

garanto, acabei gostando

como mão entrei na luva.

Depois, veio o Arquimimo

um Patrão trabalhador,

a voz do madrugador

no novo CTG falando,

a nova foi se espalhando

como fogo de verão,

nas rodas de chimarrão

era o Rio Grande brotando.

Roma não se fez num dia

nós também levamos alguns...

Uns por todos, todos por uns:

esteios, cepos, barrotes,

- bem firme para os trotes

dos pares soltos dançando -,

colunas vão levantando

sob martelos, aos magotes.

Depois de muito suarmos

ficou pronto certo dia,

foi na hora da "Ave Maria"

fechei meus olhos e orei,

depois que muito esperei

estava enfim terminado,

nesse dia fiz um feriado

e de meu sonho acordei.

Noventa e três, quatorze horas,

dia vinte e sete de abril,

num calor macho e viril

o telefone tocou...

Atendi dizendo: alou,

meu coração bateu forte,

como vento de Sul/Norte

porque tudo combinou.

A grande amiga Ibraina

falando-me do outro lado,

num misto de assustado

surpreso e muito contente.

- Imaginem este vivente,

depois de vinte e um anos,

longe do solo pampeano –

com a "voz" do pago ausente.

Era a Ibraina dos tempos

do "Sentinela" nascendo,

quando ainda aprendendo

não tínhamos nem galpão,

ensaiávamos num salão

lá pelo alto da Glória,

insipiava a trajetória

de um grupo todo ilusão.

Foi lá perto do Arquimimo

nosso primeiro galpão,

houve na inauguração

um fandango macanudo,

e dum jeito topetudo

nossa "invernada" dançou,

ali mesmo sentenciou

seu futuro seria taludo.

Naquele velho galpão

uma noite com meu pai,

a emoção me sobressai

ouvindo e vendo o cantor

Gildo de Freitas, trovador,

emotivo mui inspirado.

Escutando olhos fechados,

estava ali o protetor.

Naquele mesmo galpão

numa noite ensaiando,

quando me vi olhando

uma mestiça xirua,

dessas, que em noites de lua,

palanqueiam o matreiro,

sessenta e seis, janeiro,

tava maneado o charrua.

O homem põe, Deus dispõe,

para todos nasce o sol,

toda isca pertence ao anzol

era assim que nós pensávamos,

quando em reunião, estudávamos

o símbolo - nosso Centro -,

muitas noites frias adentro

fogo de chão esquentávamos.

Até que um dia afinal

Florentino se iluminou,

o quero-quero gritou

estridente, alvoroçado,

pelos dois fachos ladeado,

sempre em pé, firme no chão,

com ares de redomão

que ninguém põe o socado.

E da ideia para o papel

satisfeito desenhei,

peço desculpas se errei

e se melhor eu não fiz,

o desenhista infeliz

com traços muito nervosos,

tava bastante orgulhoso

era o ANDEJO aprendiz.

Finalmente ficou pronto

dando só para o gasto,

sou campo de pouco pasto

invernada sem valia.

Estou pronto neste dia

para a crítica e o abandono,

quero sereno meu sono

nos campos de Vacaria...

E "SEMPRE ALERTA EM DEFESA

DA TRADIÇÃO", nosso lema,

tendo a verdade por tema

muita altivez na conduta,

honestidade na luta

bondade no tratamento,

sem precisar juramento

ou maldade na disputa.

Que lindaço foi o fandango

"SENTINELA", inaugurando,

com a noite começando

ouvi OS COBRAS DO TECLADO,

num vaneirão bem marcado

me lembro: Chaleira Preta,

só se ouvindo as rosetas

de esporas, no sapateado.

Foi um Deus nos acuda

quando roncou um bugio,

me percorreu um arrepio

dos pés aos fios de cabelos,

me vi no campo de em pelo

com uma mestiça ruana,

com ares de temporona

que guarda a "flor" nos peçuelos.

E foi como se fosse hoje

olhando assim para ali,

doutor Jarbas Lima, eu vi

engravatado, mui sério.

Todos no mesmo hemisfério

nosso chão representando,

era o pago engalanando

pelo Rio Grande gaudério.

Girando assim ao redor

neste salão em debrum,

vejo a face de cada um

dos que comigo começaram,

quanto suor que derramaram

sempre alegres e contentes,

cada qual, mais sorridente

sorrisos que apaixonaram...

Aos eternos Patrões:

Martimiano Zimermann, João Abreu,

Arquimimo Moreira dos Santos

Ao Posteiro: Florentino Rezende

Aos peões e prendas da Invernada Artística