Canção de um Negro
Ah, quando a dor me invade
E a fome se debate
Dentro do meu ser
Lembro que a culpa não é minha
E nem da minha vizinha
Que não tem o que comer
Quando o vento vem soprando
E me desacatando
Armado de poder
Minha filha esperneia
E engole areia
Não tenho o que fazer
Sei que meu deserto
Não é um lugar perfeito...
Um lugar pra se viver
Mas, por favor, seja discreto
Não é um “caixote de areia”
É o meu local de sobreviver
Quando a aurora vem chegando
E o frio vai dissipando
Quão boa é a sensação
Quando o meio-dia se aproxima
O calor vai aumentando
A dor do meu coração
Cinquenta e oito graus Celsius
Vêm nos preparar
Para o frio da meia-noite
Mas boa é a natureza
Que minha pele escureceu
E meu cabelo enrijeceu
É uma pena que não compreendo
Àquele que tem a pele branca
E se sente superior
No dia 20 de novembro
De mim ele tem pena
E depois... Rancor!
Sou contente com minha cor
Com meus cabelos
Com meu país também
Diferente dos demais
Não trato o outro com desdém
Minha terra não tem palmeiras
As aves não gorjeiam
Não tem sabiá pra cantar
Mas tem palácios destruídos
Pelos nossos inimigos
Que também não sabem amar
Contudo, ainda prefiro minha terra
A terra do preconceito
Onde o povo sabe estudar
Entretanto o tempo passa
E o que pensam a meu respeito
Não querem recusar
Se não gosta do negro
E eu ainda passo fome
A culpa não é minha
E nem da minha vizinha
É sua, meu amigo
Que só soube me explorar
Se ainda vivo no berço
Desta imensa humanidade
É porque tenho saudade
Da minha mãe
Da sua mãe
Que aceitou sua nacionalidade
Porém essa boa mãe
Teve vários filhos
Que se puseram a matar
Você é um deles
Que ainda hoje insiste
Em minha vida tirar
Tenho pena de você
Que tem o que comer
E colégio para estudar
Mas não importa com isso
Deixa tudo por fazer
E põe-se a me discriminar
Digo com grande orgulho
Sou um cidadão da Líbia
Sou negro e africano
Para muitos, repugnante.
Não tenha pena de mim
Seja apenas um ser pensante.
Fiz este poema a exatos 4 anos. No dia 20 de Novembro de 2009 ele foi declamado a centenas de alunos numa escola em homenagem à Líbia, país, dentre vários outros africanos, escolhido para a apresentação.
Uma homenagem aos negros de todo o mundo, uma crítica aos preconceituosos dissimulados que agem falsamente no dia da consciência negra, e nos demais esquecem suas raízes e têm comportamentos preconceituosos, discriminatórios e irracionais.
Será que é tão difícil perceber que a cor da pele não influi na inteligência, na decência, na personalidade ou na essência humana de alguém? Será que é tão difícil pagar a dívida que a humanidade tem com os afrodescendentes dando oportunidade de estudos e uma boa educação a todos indistintamente? Será que não podemos reconhecer a competência e capacidade que os negros têm de andar ombro a ombro com os brancos, sem precisar de "Portas dos Fundos Cotistas" para fazer concursos públicos ou alcançar os cargos do cume das pirâmides organizacionais? Dia da Consciência Negra... Esta é minha homenagem e também meu protesto!