SE EU NAO TIVESSE NASCIDO

Se eu não tivesse nascido

Ninguém iria chorar por isso.

Grande coisa - logo eu,

Grão de areia roubado ao mar

Quem deveria, pois, se importar?

Deixar de ser mundo

O mundo não deixaria,

Simplesmente eu não existiria,

E pronto.

Eu, eu, porque sempre o eu?

Já o disse, o eu é o nada,

Voz que cala na curva da estrada,

Manhã que não houve.

A minha santa mãezinha

Minha mãe, não seria

Lá isso é verdade...

Mas a quem isso importaria?

Ora, as minhas mágoas,

Deixai-as comigo

Já que de minhas alegrias não compartilhais;

Não é que olhe só para meu umbigo

Pois, dele nem tomo conhecimento,

Graças a Deus.

Mas, por outro lado,

Se eu não tivesse nascido

Não teria ficado encantado,

Com o encantamento da criancinha

Que se encantou,

Ao escutar um poema da boca de alguem

Que simplesmente falava

Das belezas que a vida tem.

Ah, esta bênção ou maldição,

Estes ‘Pessoas’ que mentem,

A fingirem que sentem dor

Quando dor é o que deveras sentem.

Se eu não tivesse nascido

Quem poderia se emocionar

Com o canto dum sabiá

Tão semelhante ao melro

Que canta nas bandas de lá?

Quem haveria de sentir saudades

Do canto dos rouxinóis

Nas noites cálidas de luar,

Que meus sonhos de menino embalaram

E me faziam acreditar

Que o paraíso era mesmo naquele lugar?

Se eu não tivesse nascido

Quem haveria de sentir esta imensa ternura

Que eu sentia pelos meus ‘pequerruchos;’

Quem havia de cantar o poema Naquela Tarde, à minha Amada

Que é quase assim:

E tu nem sabias, que cada passo que davas,

Eram notas musicais que soltavas

Para compor a mais bela melodia,

Que se fazia dentro de mim.

Ou então quem haveria de ver meu pai

Chorar, lá no cais do porto,

Dum porto sem destino

E eu ainda quase menino?

Quem haveria de invocar

Ao tempo

As saudades quais roupas nos varais

A tremularem ao vento,

E os acenos de lenços brancos

Tantos, tantos, tantos,

Como um nunca, nunca, mais.