SEM RIMA 109.- Guimarães Rosa e ...
Paz-Andrade, Valentim,
não apenas foi economista
e homem de empresa;
também foi numerário da "Real
Academia Galega". Raro
e estranho académico,
porquanto na dissertação
de ingresso tratou da "galecidade"
ativa na obra literária
do escritor mineiro
Guimarães Rosa.
Como amostra da galaico-brasilidade
deste singular escritor-economista, mas poeta,
copio alguns excertos do seu artigo
"A fonte galega de Guimarães Rosa"
(in "Temas de O Ensino" núms. 6-10,
Ponte Vedra / Braga, 1986;
excerto, por sua vez, de "A galecidade
na obra de Guimarães Rosa", publicado
nas Edições do Castro, Sada, em 1978).
Eis algum dos anunciados excerto
(anda o demo a tentar-me em fazer
versos o que o autor redigiu em prosa):
"Na literatura moderna do português, 'arco-íris'
escurecera o 'arco da velha'. Na fala do povo
tão expressiva forma tem uso incomporatido
nos territórios do antigo Reino da Galiza,
compreendendo Trás-os-Montes, Serra da Estrela
e outros do norte de Portugal. Nos dicionários
do português ainda figura em juntoiro
com 'arco de Deus', 'arco da chuva', 'arco da aliança',
'arco da pipa'...
Frutos singelos, mas não serôdios,
do melhor sentir e mais poético verborizar do povo.
O facto de que no português moderno semelham
as tais formas desterradas por outro castelhanismo,
legitima a reabilitação rosiana de 'arco da velha."
"No galego têm agromado a eito os derivados
de 'longe'. Todos de belo feitiuo: 'lonjano', 'lonjania',
'alonjado', 'lonjura'...
Não passou outro tanto ao português.
""Por isso Guimarães Rosa - anota Rodrigues Lapa -
criou afoitadamente o adjetivo 'lonjão', se é que
ele não existe no sertão de Minas Gerais, oriundo
de fonte galega".
E ainda que existisse."
Por fim, sobre 'abano' e 'peneira', que o Lévi-Strauss
achou pelo Brasil indiano e tratou no "Tristes Tropiques",
Paz-Andrade afirma:
"Se o pontífice do estruturalismo,
antes da sua experiência convivencial
com as tribos de Caduveo, Bororo, Nambikwara...,
houvesse tomado o velho caminho francês e fizesse
a peregrinagem "à la Galice", não teria afocinhado
um erro de tanto vulto. A 'peneira' não é indiana
de origem. E muito menos com tão longuíssimo
nome. Chama-se com ele a criva para grão, farinha,
etc. Quando é grandeira, conhece-se por 'crivão'.
E tem também uma aceção malacológica: 'Peneira'
é o 'haliotis' ou 'abulão', molusco de concha
orelheira ladeada de buracos filtradores.
"E como um erro
nunca vem sozinho, Lévi-Strauss recunca nas mesmas
páginas ao falar doutra peça: o 'abano'. Artilúgio
utilizado desde milénios na lareira galega, para reviver
o fogo fogareiro."
Dou por terminado este longo
não poema sobre a "galecidade" do Guimarães Rosa,
segundo o escritor Paz-Andrade, cuja memória
celebramos neste DIA DAS LETRAS GALEGAS.