SER OU NÃO SER (À minha mãe, Ângela)
Ela de mim ainda cuida, sinto a sua presença e a sua enorme saudade que comigo não fala. E como dói saudade que diz nada do que a gente queria ouvir.......
Mas, quem sabe, em seu Dia ela me conte das cousas que a saudade cala?
SER OU NÃO SER
(À minha mãe, Ângela)
Se você voltar pudesse
à vida da minha vida,
e se ouvidos me desse,
ficaria proibida:
De levantar logo cedo
para fazer o café,
saindo quase em segredo,
planando à ponta do pé;
De levar para meu pai
o café pronto, na cama,
como uma virgem que vai
ao encontro de quem ama;
De fazer cuscuz e angu
em formas de bom tamanho,
de levar menino nu,
choramingando, pro banho;
De ser sempre a derradeira
a se servir da comida
e ser, sentada à cadeira,
a primeira na saída;
De correr para o portão
e nos dar o privilégio
de nos levar pela mão
até às mãos do colégio;
De vestir um avental
enquanto a roupa lavava
ou pra limpar o quintal,
a ver se a roupa quarava;
De acocorar-se no chão,
soprando com alvoroço,
para abrasar o carvão
e preparar o almoço;
De nos esperar à porta
do colégio, ao meio-dia
- a face de quase morta,
face que a gente não via;
De, quando à casa de volta,
do pai guardar o retorno,
depois nos servir de escolta
ao panelão inda morno;
De servir prato por prato
para cada um de nós
e, retida no recato,
comer o seu, sempre a sós;
De passar a tarde inteira
limpando e varrendo a casa,
passando a roupa, ligeira,
o ferro fumando brasa;
De nos juntar no terraço
para a tarefa da escola,
nos erros riscando um traço,
ao tempo não dando bola;
De nos deixar, volta e meia,
para rondar o fogão,
cuidando da nossa ceia
(sempre sopa de feijão!);
De ser da noite a espera
pela volta do marido,
da bênção que alguém não dera,
do sono sempre sumido;
De, nos domingos, cedinho,
carregar-nos para a missa,
a Deus orando baixinho,
como serva submissa;
De confessar o não feito,
o inexistente, o não visto,
para poder junto ao peito
levar o Corpo de Cristo;
De sentir dor e, doente,
ir para outra cidade
e trocar, depois, a gente
por Jesus, na eternidade...
***
Porém você poderia
ser a mãe que me encantava,
chorando, se me feria,
sorrindo, se me beijava!
Odir,
de passagem.