Elegia ao Vingador do Impossível


Madrugada, comparsa e parte
                de teus gritos mudos,
                de tua arte.

Confabulavas com o silêncio da tua cama 
                         idéias salpicadas de estrelas,
como na idílica declaração a tua Ana:
"Entrei aqui, trazendo da República a imagem
e parto com a tua imagem."

Madrugadas havia
em que não se sabia
quem estava mais descabelado:
             tu ou a lua.
Tu, por pensares sem poder teres sonhado;
ela incentivando-te à poesia nua.
Mas recorrente em tua memória era Canudos, "Nossa Vendéia",
Do sertanejo distante na epopéia.
Tudo o que viveste, desde que em Cantagalo nasceste ora 
                                                                                retomas
e, ao que o destino te negou, ora somas.

És mestre vivo, Euclides,
embora já não possas mais falar
como quem escolhe palavras em cabides,
pois, transposto o instante da morte,
tua voz perdeu os violinos;
mas ganhou a vegetalidade dos lírios da campina
e a vegetalidade humilde
da areia que range sob os pés das meninas e dos meninos.

Palavras tuas guardamos como um sussurro:
"Serei um vingador e terei desempenhado
um grande papel na vida: o de advogado dos pobres e dos
                                                                           sertanejos,
assassinados por uma sociedade
pulha e sanguinária."
A humanidade compartilha a mesma lida,
sem usufruirmos mais de teu cérebro benfazejo.
E vamos por aí, carpindo tão difícil saudade,
sabendo que a luta é a mesma e, em nada, imaginária.

Por serem ínvios alguns caminhos do amor,
tiros cravaram teu corpo:
                          esperava por ti fúnebre porto:
                          eis que tombavas morto!

Concebemos-te, depois de tudo,
em tuas tertúlias nas alturas
e, muito além destas criaturas,
sabemos não estares quedo ou mudo.

Parodiando teus dizeres de luz, só porque venceste a morte,
pois vagam tuas palavras neste ambiente por nós herdado,
dizemos: Euclides é, antes de tudo, um forte."
Ó, Pai, na prece de nosso íntimo recesso rogamos,
nesta silente madrugada, aos vossos pés, vós que sois louvado,
pela dor das ausências que nos consomem, seja Euclides
                                                                                      abençoado! 
Flávia Melo
Enviado por Flávia Melo em 17/04/2009
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