PARTO NATURAL

Para Eunice Arruda

Devorei as idéias

de mundos alheios.

Perdi o rosto

nos espelhos,simulacros.

Multipliquei-me a sede

em muitas, impróprias águas.

Proteu,plagiei-me

ao longo das Eras.

Proferi, ad infinitum,

as palavras

que me puseram na boca.

Desci aos todos infernos

para resgatar-nos

os pecados,os crimes sem nome.

Ascendi a paraísos vários

sem qualquer mérito próprio.

Ensinei as severas verdades

sem nenhum conhecimento.

Curvei-me servil, sobremodo,

a menores do que eu.

Olhei, sobre tudo soberba,

aos demasiado maiores.

Articulei, vezes sem conta,

em horas erradas, o certo.

Proferi, sem pausa, o errado,

nos tempos para o exato.

Na infância, anciã.

Aos quarenta, adolescente.

Menina, a mãos-abertas,

ofertei aos velhos,conselhos.

Agora, as crianças

pegam-me no colo.

Enfim, só me cabe

a extrema felicidade.

Hoje, véspera de amanhã

e amanhã, águas rompidas,

nascerei, por livre escolha,

de parto natural.