RUA DA SAUDADE

Que saudades da minha rua

Nas tardinhas de Verão!

Quando a aragem brincava,

A esconder-se do calor,

E subia a calçada,

Direitinha do Marão!

Tantas saudades, tantas!,

Das sestas ao relentinho,

Ou na soleira da porta,

Aprendendo a bordar

Flores que minha mãe plantava

Em retalhos de branco linho!

Que saudades das Trindades

Em ecos na minha rua...

Quando aplacavam os suores,

Chamando aos doces lares

Afazeres de sol-a-sol,

Afagos de lua-a-lua!

Com as pedrinhas lavadas

Pela chuva de Verão...

Que saudades da minha rua,

Em subida para o céu,

Atapetada de flores

Em dias de procissão!

Que saudades da minha rua!

Dos Domingos soalheiros,

Quando os moços se vestiam

De lavado e bailarico,

E sua alegria enfeitavam

De namoricos brejeiros!

Tantas saudades me dá

Lembrar o ledo bulício

Da minha rua que era

Avenida Principal

Dum tempo em que minha aldeia

Era meu Mundo patricio!

Que saudades das vindimas,

Quando a azáfama era crescendo

Na calçada adocicada

Pelas lágrimas dos bagos

Sacrificados nas rodas

Dos carros de bois, tangendo...

E o aroma de açúcares

Ainda hoje os sinto assim,

No melhor cofre que guardo,

Junto com os sons do fado,

No altar de viva saudade

Que mora dentro de mim...

Hoje só o silêncio mora

Na minha rua esquecida...

As gentes negam-lhe os passos,

Preferem estradas e carros

E desdenham a calçada

Onde pisaram a Vida...

(A calçada da minha rua é a subir e a descer...

... assim como a minha Vida, calçadinha de sofrer...)