Como foi que nasci?

Mãe, como foi que nasci?

Eu sempre imaginei que foi de algum jeito meio torto,

talvez escorregando para fora enquanto você estava distraída,

fumando um cigarro na beira do fogão,

ou quem sabe tropeçando no próprio cansaço.

Você deve ter rido, ou chorado,

ou feito os dois ao mesmo tempo,

porque é assim que as coisas sempre foram.

E eu nasci pequeno, frágil e pronto para dar errado.

Desde o início, tropecei nas próprias pernas,

e quando aprendi a andar,

fui direto para o chão,

como se a gravidade tivesse um contrato especial comigo.

Você dizia: “Levanta, menino, levanta, pelo amor de Deus.”

E eu levantava, mãe, mas levantava errado,

levantava torto,

levantava para cair de novo.

Depois vieram as escolhas.

A primeira bicicleta,

o primeiro amor,

o primeiro emprego,

e eu lá, sempre escolhendo o que era mais fácil,

o que tinha cheiro de derrota e gosto de cigarro velho.

Você dizia: “Parece que você gosta de sofrer, menino.”

E eu ria, porque achava engraçado,

achava poético, até.

Agora estou aqui, mãe, com quase cinquenta,

e o espelho me mostra um rosto que nem é meu mais.

Ainda tenho os mesmos olhos de quando você gritava:

“Você vai se matar desse jeito, menino!”

Mas eles estão mais fundos agora,

mais cansados,

como se guardassem todas as vezes que eu te desobedeci,

e todas as vezes que quis obedecer,

mas não soube como.

Eu repito tudo, mãe.

Os mesmos erros, os mesmos becos sem saída.

O mesmo gosto por portas que não se abrem,

por pessoas que nunca ficam,

por promessas que nunca se cumprem.

É como se eu estivesse preso a um carrossel enferrujado,

girando devagar, mas nunca parando.

E você não está mais aqui para me dizer:

“Sai disso, menino, pelo amor de Deus.”

Agora só o silêncio responde,

e eu fico pensando:

Será que nasci assim, mãe?

Ou será que fui aprendendo, tropeço a tropeço,

queda a queda,

até virar esse homem que sou hoje?

Um homem que olha para trás

e vê a mesma criança,

com o mesmo medo,

os mesmos joelhos ralados,

e a mesma pergunta:

Mãe, como foi que nasci?

Porque talvez, se eu entender isso,

eu entenda como parar de cair.

Trebe de Maria
Enviado por Trebe de Maria em 05/12/2024
Código do texto: T8212581
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