CEGO DE AMOR
Sim te fostes...Ainda que em vida
E não levastes contigo nas tuas velas oculares e infinda
Tua outra metade que ficou à deriva
Mas, meio ainda que inteira, pois, que amor nunca se finda...
E o que mais deixastes foi saudade dentro de mim
Crepitando no gozo infinito da memória
Entremeios os estalares do tempo presente promissória
Que se fazem retinas qual gota de chuva irrisória
Que se aninha nos batentes das coisas reluzentes
Ainda brilhas quais centelhas divinas onipresente tênue e rescisória...
E caminhas dentro de mim em cera
Entrementes nos estertores gemidos
Vais te dissolvendo lentamente sem onda sonora
Entre o fogo que tudo devora e a lareira
Que a tudo faz sumir nas cinzas das horas
De uma entardecida e natimorta segunda feira...
Ladeira abaixo escorres em desertores
Pelas correntezas miúdas das lágrimas
Que se vão sem teus abraços cobertores
Fazer o que? Se sem terra não há flores
E nem coração que bate descompassado sem rimas....
No sereno umedecido o gato mia
O ciclo do tempo nunca se sacia
Minha existência parece uma bacia vazia
Sem o reflexo da lua e sua passagem luzidia...
E sigo caminhando como um cego
Que não vê a cor da noite e ou do dia
Vai deixando sua marca na terra
Como a pele causticada na impoluta estria
No entanto outros sentidos lhe atiça
Compensando-lhe outros que lhe falta
Sente a maresia pelo cheiro
Como se tirasse seu amor de dentro da incólume fotografia
E a animasse a andar e a navegar
Nas ondas subliminares de sua maresia
E qual tarde crepuscular é findado o dia
Fecham-se as cortinas e sua poesia
E ao fechar seus olhos
A mesma escuridão
Ainda o faz palmilhar
Luz e opacidade deferimos
Fantasia e realidade
O ar é de graça e são
E é o maior tesouro que possuímos
E na areia de suas lembranças arguimos
Quiçá um dia se ao seu lado acordar
Ao invés de se recordar do amado ser
Daquela mulher que de seus olhos era a guia
E dentro dela também sumirmos no escurecer das sombras
Pra que esta terra devoradora e cegamente faminta
Nossos olhos ela não haja de comer como língua extinta
Sim te fostes... Como um cego não te vejo
Mais te sinto e ao tocar na parede
Nos visgos de meus dedos em rede
Ao levar ao meu olfato se evolou
Sinto-te ainda como tinta retinta
Que nunca saiu de minha pele absinta
Qual álcool do fígado de quem sempre se embriagou...