Hoje eu quero
Hoje não quero sapatos nem camisas:
que meus pés sintam as folhas frias,
que um galho seco me tire o sangue da pele.
Hoje, que em vez de ponteiros apressados,
seja o tempo do sol e das sombras
sussurrando-me bem baixinho a ordem e o ritmo.
Hoje não quero podcasts com as notícias do dia,
ou playlists instrumentais para relaxar,
nem o TED Talks inspirador:
que seja um pássaro estranho
a me trazer alguma verdade.
Quero, hoje, que se for para me perder,
que não seja entre ruas de generais,
líderes ou heróis pendurados numa História letrada:
que minha confusão se dê entre árvores
cujos nomes nunca saberei.
Porque hoje eu quero mais.
Quero o afago sem aditivos químicos,
sem álcool fácil, sem açúcar colorido;
quero o calor e a calma surgidos
da clareira descansando no meio do nada.
Porque hoje eu quero que a satisfação,
se houver alguma, seja insustentavelmente pura,
a luz cristalina tremulando sobre a escuridão asfixiante.