O DONO E O SERVIÇAL
“Ritual e rituais”
Um afamado proprietário
Que era dono de farta herdade
Contratou por mísero salário
Um serviçal de baixa idade.
Em manhã de muito labor
Nas tarefas do milheiral
Debaixo de intenso calor
O dono chamou o serviçal.
Passaram pela fresca adega
E o dono, sem nenhum enfoco,
Estendeu o braço pra entrega:
- Ó rapaz, toma lá um copo!
- Beba vossemecê primeiro!
Disse o rapaz sem mais nem nada.
O dono pega no copo, ligeiro,
E bebeu o vinho duma assentada.
- Vamos, vamos de novo ao trabalho!
E o rapaz sem se ir abaixo
Lá foi co´ o dono pelo atalho,
Cheio de sede e cabisbaixo…
Recolheram ao fim da tarde
E de novo passaram p´ la adega:
- Ó rapaz, toma lá um copo!
E ele, sem hesitar, logo lhe pega.
O seu instinto lhe segredou
Que ingénuo não podia ser…
Bebeu consolado e desejou
Que não voltasse a acontecer.
O anfitrião, bebendo por sua vez,
Olhou pro rapaz, meio espantado,
E retorquiu-lhe com toda a altivez
Reforçando bem o seu recado:
- Vê lá, rapaz, s´ aprendes a lição!
Ao dono da casa não s´ manda beber
Ele tem bebidas à disposição,
E bebe quando e quanto quer!
E retiremos nós deste ritual
A moralidade que se impõe:
Toda a circunstância é factual
Num tempo que ninguém dispõe.
Frassino Machado
In RODA-VIVA POESIA