O DONO E O SERVIÇAL

“Ritual e rituais”

Um afamado proprietário

Que era dono de farta herdade

Contratou por mísero salário

Um serviçal de baixa idade.

Em manhã de muito labor

Nas tarefas do milheiral

Debaixo de intenso calor

O dono chamou o serviçal.

Passaram pela fresca adega

E o dono, sem nenhum enfoco,

Estendeu o braço pra entrega:

- Ó rapaz, toma lá um copo!

- Beba vossemecê primeiro!

Disse o rapaz sem mais nem nada.

O dono pega no copo, ligeiro,

E bebeu o vinho duma assentada.

- Vamos, vamos de novo ao trabalho!

E o rapaz sem se ir abaixo

Lá foi co´ o dono pelo atalho,

Cheio de sede e cabisbaixo…

Recolheram ao fim da tarde

E de novo passaram p´ la adega:

- Ó rapaz, toma lá um copo!

E ele, sem hesitar, logo lhe pega.

O seu instinto lhe segredou

Que ingénuo não podia ser…

Bebeu consolado e desejou

Que não voltasse a acontecer.

O anfitrião, bebendo por sua vez,

Olhou pro rapaz, meio espantado,

E retorquiu-lhe com toda a altivez

Reforçando bem o seu recado:

- Vê lá, rapaz, s´ aprendes a lição!

Ao dono da casa não s´ manda beber

Ele tem bebidas à disposição,

E bebe quando e quanto quer!

E retiremos nós deste ritual

A moralidade que se impõe:

Toda a circunstância é factual

Num tempo que ninguém dispõe.

Frassino Machado

In RODA-VIVA POESIA

FRASSINO MACHADO
Enviado por FRASSINO MACHADO em 12/02/2022
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