Último Verão no Sertão
Ele, que ainda vive no sertão,
Que se formou como escrivão,
Que é um bom cidadão,
Que domingo ouve sermão,
E à noite faz uma oração,
Dirige um caminhão,
Tem medo de rojão,
Esconde coisas no porão,
E nunca voou de avião.
É bravo, como um leão,
Mas vaidoso como um pavão,
Assiste muito à televisão,
Que lhe toma a atenção.
De manhã come pão
Com muito requeijão
No almoço, macarrão
Com pouco manjericão.
E toma suco de melão,
Com salada de agrião
E cozinha pimentão
No seu pequeno e amado fogão.
Tem saudades do quentão,
Do dia feliz de São João.
Compra seu melhor sabão
Quando está na promoção.
Mas vive em clima de tensão,
Sente muito a pressão
De viver uma vida de solidão:
Pensa na terra como uma prisão.
Pensa na atual encarnação
Como uma vida de escravidão.
Sente que é apenas um peão,
E tomaria venenosa poção
Para findar a depressão
Com sua decepção
Em sua percepção
Sempre em expansão.
Não há animação.
Saudades do irmão
E da sua união.
Queria um pouco de atenção.
Então em busca de perdão
Toma uma última decisão
E resolve sua questão.
Não ficará de plantão
Para a próxima estação.
Pois sua última será Verão.
E assim, descansa ao chão,
Olhos abertos, à imensidão
Ao som de uma triste canção:
Que maravilhosa sensação!