A BURRA DA ARROCHELA
“Trova rocambolesca”
Tive em tempos uma burra,
Qu´ era mansa, qu´ era brava,
Arrimei-lhe forte surra
Mas a burra não andava.
Granjeei-a num mercado
Para as minhas precisões
Vi-me logo bem enganado
Num negócio de feijões.
Caí no conto do vigário
Com falsária reinação…
Minha vida ao contrário
Só me traz desilusão.
Foi-se manhosa, refinada,
À courela de um marquês
E agora, desfeiteada,
Não a quer nenhum freguês.
Aquela infeliz manguela,
Meia parda, meia verde,
Deu-me cabo da farpela
E saltou-me pra parede.
Dava ares de jumenta
E não sabia trabalhar,
Espargida co´ água benta
Pôs-se em fúria a zurrar.
Tão velhaca esta burrica
Rejeitava comer palha
Pelos vistos, com vida rica
E eu pobre, Deus me valha.
Certo dia esta burranca
Sem dar conta do serviço
Apareceu-me meia manca…
Pensei dar-lhe um sumiço.
Não gostava da carroça
Dando coices até mais ver
Castiguei-a numa choça
Sem comer e sem beber.
Tive pena da moleca,
Não sabia que lhe fazer,
Pra livrar da enxaqueca
Dei-lhe figos pra entreter.
Quem quiser a felizarda
E lhe queira dar ousio
Arreate-lhe uma albarda
Para um outro desafio.
Se a pileca não engata
E não anda para a frente
Pegue a burra p´ la arreata
Indo a pé como outra gente.
Se acusar dificuldade
Compre-lhe umas ferraduras
Morrerá de muita idade
Como algumas criaturas.
Tal é a trova-rocambolesca
Desta burra da Arrochela,
Qu´ adorava a sombra fresca,
E a vida de boa-vai-ela.
Esta estória metafórica,
Numa linha de boa crítica,
Tem pimenta, tem retórica
E um bom naco de política!
Frassino Machado
In TROVAS DO QUOTIDIANO