NOVA SÉRIE ABDIAS

Abdias é um personagem antigo nos meus poemas... A primeira série constou de nove textos. Ele marcou tão positivamente sua presença, na opinião de alguns leitores, que um desses, poetisa do RL, a literata Esther Lessa, pediu que desse uma sobrevida ao velho tema. Portanto, aí está a nova série do velho Abdias. Agradeço à insigne, também cantora e declamadora, poetisa, esta série a quem, com satisfação, dedico este trabalho.

Primeira série Abdias

Da série Abdias 1-Sorriso no portão
Da série Abdias 2-Morte na janela
Da série Abdias 3-Dor incontida
Da série Abdias 4-encontro marcado
Da série Abdias 5-A dor recusada
Da série Abdias 6-Sorriso denso
Da série Abdias 7-O filho roto
Da série Abdias 8-Viúvas
Da série Abdias 9-O testamento

Nova série Abdias

Da nova série Abdias 1- A viúva
Da nova série Abdias 2-O santo
Da nova série Abdias 3-Dondinha
Da nova série Abdias 4-Seu Antenor
Da nova série Abdias 5-Cemitério da colina
Da nova série Abdias 6-O segredo de Abdias
Da nova série Abdias 7-Diálogo
Da nova série Abdias 8-Tripé
Da nova série Abdias 9- Sonhos


Da nova série Abdias 1- A viúva

Dondinha, viúva do Abdias sofrido,
era doce e tímida, ela sabia...
Sentia a falta do marido...
Assim, vivia seu dia-a-dia...

Sentia-se só, sozinha, ao léu,
mas não pensava nunca em casamento...
Já que ele, também, no céu era fiel,
ficar sozinha era, pois, seu pensamento...

O Abdias, seu único namorado,
casou virgem e com pouca idade
e tiveram toda felicidade...

Mulher simples, moça do interior,
humilde, dizia que a sua cruz
pesava mas estava casada com Jesus...


Da nova série Abdias 2-O santo

Nunca se sentiu sozinho e na sua chegada ao céu
amigos e muita gente que amava reencontrou...
Fizeram de sua chegada uma festa, só faltou receber troféu!
Abdias chegou! Abdias chegou! Abdias chegou!

São Pedro viu logo entre os novatos
uma luz que brilhava mais
e que se distinguia das demais, de fato,
pela sua constância e pela sua paz...

Abdias ficara pouco tempo na Terra,
pois havia pouco pecado para expiar...
A sua ficha era limpa: fizera o bem, não a guerra.

Amara o próximo, fora bom filho e bom pai.
Do campo santo foi direto para o céu
e é onde ficará, diz São Pedro, daqui não sai!


Da nova série Abdias 3-Dondinha

Dondinha rezava todo santo dia
para ter forças e estrela,
pois a solidão que o destino lhe trazia
não era mole, era demais pra ela!

Mulher outrora bonita, desgastada estava
pelas agruras que a vida na beira do rio trazia...
Lavava roupa todo dia e disso sobrevivia!
E não era de hoje; desde os tempos do Abdias...

O tempo passava lerdo; lá se foram 10 anos
e ela se ressentia de um amor verdadeiro...
E o que a inibia era o amor do velho companheiro.

Dondinha se ardia na cama, sozinha,
pensando na côrte do compadre Antenor...
Mas nunca um novo amor aceitou!


Da nova série de Abdias 4- Seu Antenor

Nossa Senhora da Conceição, padroeira da cidade,
levava à paróquia muitos fiéis...
E aos domingos a missa era sagrada
para a viúva do velho Abdias...

Ela usava sempre um vestido comportado
de cor escura e ela mesma era muito sisuda...
Mas aqueles vestidos escondiam algo mais
além de um corpo lindo e sensual que o tempo realçou...

O compadre Antenor, auxiliar de tabelião, passava a pé
na sua porta todo dia e sempre puxava um papo...
Por ser anão ela nunca se interessara
e, além do mais, ele fora o melhor amigo do falecido...

Solteirão, maduro, tinha um olho gordo
na viúva do Abdias...E não disfarçava...
E não era de hoje... Na missa trocavam olhares gentis
que a deixava tremendo nas pernas...
Ela, num dia de procissão,
foi acompanhada pelo Antenor
que acabou lanchando na sua casa...
Dondinha sempre foi muito sensual.
O Antenor sempre foi apaixonado por ela
mesmo quando o Abdias estava vivo...
Mas ela não se interessava
porque ele era anão e ela casada e muito religiosa...
Depois que ficou viúva ela descobriu outras grandes qualidades nele...
A Dondinha nunca traiu de fato o Abdias...
Eles, pela primeira vez,
compreenderam que a vida
tinha sentido e eles estavam vivos...

Dondinha...Comunicou aos filhos que se casaria
com o Antenor, pois era o que em sonho o Abdias queria...


Da nova série Abdias 5- Cemitério da colina

Quando Abdias morreu
a vizinhança delirante,
uma claque nervosa e espalhafatosa,
assistiu por três dias um espetáculo de vida e morte
que não compreendia a dor que tombou Abdias...

Hoje no cemitério da colina
há uma lápide de pedra lembrando Abdias:
“Aqui jaz um santo homem
que viveu sem saber porque
e nem sabe se morreu...”

A sua viúva visitava mensalmente
a cova rasa do pouco Abdias,
mesmo depois de casada
com o seu melhor amigo...
Mas há quem diga que Abdias
morreu mesmo de desgosto...
E, à boca pequena, se dizia que a Dondinha sabia
e tinha culpa no cartório...


Da nova série Abdias 6-O segredo de Abdias

Três filhas, um filho e sua bela esposa...
Profissão tecelão e biscateiro
Mas um coração maior que o mundo inteiro
Na fábrica de tecidos
tecia a sua labuta e era muito querido!
Na casa todos trabalhavam
e eram quase analfabetos...
No dia da sua morte
ele começou a morrer três dias antes;
era doente do coração e sem tratamento
foi definhando, mas ele cria no Criador
e rezava pedindo para ser como Deus quisesse...
Não dizia pra ninguém, para não incomodar!
Mas tudo se agravou com o ciúmes
que ele tinha da mulher
que só confirmou o que ele achava:
a filha mais nova, sua caçula querida,
não era sua filha. Foi outra dor para o Abdias...
Ele descobriu por acaso, numa conversa de comadres.
Abdias guardou essa dor e não se abriu com ninguém,
nem tomou satisfação com quem devia...
O destino parece que acelerou o compasso da sua morte,
mas dizem que foi ele quem abreviou sua sorte...


Da nova série Abdias 7-Diálogo

A porta se abriu e Abdias entrou como sempre fazia.
Dondinha, calmamente, comenta:
-Abdias... tu te lembras que fizeste um testamento?
-Ah! Dondinha e aquilo é lá testamento. Pobre não tem o que deixar, não.
-Ora, marido, tem sim! E o teu exemplo de bom marido, pai e amigo?
Não conta não, Abdias? E o bem que tu fazias ajudando os outros?
-Eu sei, Dondinha!
Mas eu vim pra falar contigo outra coisa. Vim te pedir perdão.
-Perdão de que, meu filho?
Eu botei na cabeça que Djane, nossa caçula, não era minha filha.
Eu errei e muita gente pensou mal de ti, inclusive eu.
Tudo por causa de fofoca de comadre. E sofri calado, sofri muito com isso.
Tinha medo que isso se espalhasse e a menina soubesse.
Isso me matou.
Mas era minha hora de qualquer jeito...
Mas, lá em cima, eles sabem de tudo...
E foi teu amor que te salvou e o meu que me salvou.
Dondinha, tu fez tudo direitinho.
Dondinha, desculpa, agora eu posso descansar em Paz.
Desculpa, Dondinha, mas tenho que ir.
Vou ter que ir. Teu marido está pra chegar.
E não quero que ele me veja. O importante é que ele te trata com muito amor...
Isso é o que conta onde estou...
-Abdias...Desculpa, Antenor...Dei um cochilo e sonhei...
-Dondinha, tu ta falando comigo ou com o falecido?


Da nova série Abdias 8-Tripé

A procissão começava no início da rua Dr.Sofrônio Portela. Ali o padre Jesuíno reunia os fiéis e com suas lindas canções religiosas começava a caminhada carregando a santa padroeira da cidade: Nossa Senhora da Conceição. Abdias e Dondinha, adolescentes nos seus 11 e 13 anos, acompanhavam os pais, vizinhos e colegas da fábrica de tecidos.
Os dois adolescentes estavam sempre juntos e iniciaram um namoro que durou quatro anos, emendou num noivado de mais três anos e acabou em casamento. Assim, se casaram cedinho, aos 18 e 20 anos. Ele trabalhava na fábrica de tecidos da cidade como ajudante de tecelão e ela era do lar, mas ajudava com uma barraca na feira e lavando roupas para fora, no velho e bonito rio Jaboatão. O amor deles era tanto que os cinco filhos (um faleceu)tinham pouca diferença um do outro... As meninas eram três e mais o menino. A família era pobre, mas bem estruturada moralmente; eram muito religiosos e cresceram sob o beneplácito social da fábrica, que lhes dava uma casinha modesta para morar. Tinham muitos amigos, a maioria da fábrica e um amigo velho amigo desde os tempos de infância, o Antenor (conhecido na cidade por Tripé, alusão jocosa e dúbia ao, sabe-se lá o quê), que era anão, ajudante de tabelião e muito amigo do Abdias. Tão amigo era que foi padrinho de casamento, padrinho da filha mais velha, Anunciada e, quis o destino, padrasto num futuro que o Abdias não esperava. Antenor fora pescador, mas por ter um pouco de estudo virou funcionário do Cartório.
Dondinha era apaixonada pelo Abdias, e estava nessas recordações quando, Tripé, seu marido comentou: Dondinha, tu tás pensando em que? Já são sete e meia...Faz o café...Hoje tenho dois casamentos para preparar...Dondinha, melancólica, saudosa, calada levantou-se e falou para si mesma.
-Ai ai... Tava pensando na vida!


Da nova série Abdias 9-Sonhos

Dondinha acordou de madrugada
e sentiu-se abraçada, num abraço tal,
que somente o Abdias abraçava e por nada...
Embora parecesse sonho, era mais que real...

Abraçar em conchinha, assim de manhã,
era como fazia o seu colibri, querendo mel...
Ela virou-se e comentou:conheço a tua manha
Abdias...É pra isso que tu veio do céu?

Dondinha, deixa de besteira. Lá não tem isso não!
Vim pra te ver, pois o amor que eu tive foi você...
O que você me deu foi seu amor de coração
e isso eu levei pra nunca mais te esquecer..

Naquele fim de semana ela acordou sorrindo,
em conchinha, e com Antenor querendo mais...