A GESTA INGLÓRIA

“Balada dos estorninhos”

– Hei lá, ali vêem os malditos

Dos estorninhos, em revoada,

Já nem sequer ligam aos gritos.

Isto só mesmo à chumbada!

É o desabafo do quinteiro,

Desiludido e irritado,

Por passar o seu dia inteiro

Feito plantão acocorado.

– São os melhores figos desta terra,

Aposto com quem quer que seja,

Mas os bandalhos dão-me guerra

E já tenho pouco que se veja…

Os estorninhos, ai os estorninhos,

A fina flor do passaredo,

Só comem os figos mais lindos

E das ameaças não têm medo.

Surgem na brisa da primavera

Em busca dos bons cerejais

E pelo verão, quem lhes dera

Andam aos figos, pois gostam mais.

Não se castigue o seu bom gosto

Nesta afoiteza de criação

Das cerejas, qual fruto posto,

Fazem-se aos figos por paixão.

Fruteiros não têm mãos a medir

Para cuidar dos figueirais

E vêem sua colheita a fugir

Nestes fantásticos recitais.

Em tempos idos, espantalhos

Eram postos nos arvoredos,

Mas agora há mil reviralhos

Todos eles com seus segredos.

Com música e com grafonolas,

Com jactos d´ água-maravilhas,

Com carabinas ou pistolas

E com truques e armadilhas.

Estorninho é sempre estorninho,

Ave da terra, ave do céu,

Põe toda a gente em desalinho

E a fruta num ar que lhe deu.

Ave gregária e sabedora,

Em revoada quando há perigo,

E a ganhar por madrugadora

Ao bom petisco chama-lhe um figo.

Não há aves como estas aves

Nem lição como estas lições

Conhecê-los é a melhor das chaves

Para abrir todas as soluções.

Não façam mal aos estorninhos,

Que são parte da humana riqueza,

Eles merecem mais carinhos

Pois são filhos da Natureza.

A paciência é o que se pede

Em toda esta gesta inglória,

À borrasca a bonança sucede

Ficando no ar digna memória!

Frassino Machado

In AS MINHAS ANDANÇAS

FRASSINO MACHADO
Enviado por FRASSINO MACHADO em 31/07/2019
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