O ELOGIO REAL AO SONO
Ah, quantos milhares de meus mais míseros súditos não desfrutam agora
Do mais aconchegante dos sonos noturnos! Ah sono, meu doce sono!
A gentil ama da mãe-natureza: como pude espantar este aio?
A ponto de não esperar mais que pese sobre meus cílios
Banhando meus sentidos em puro esquecimento?
Por que preferes visitar com constância as choças dos labregos?
Espreguiças-te na mais precária palha, não dormes comigo em meu leito real
Estiras-te, ao contrário, onde carapanãs roem tudo o que respira!
Não sentes este perfume do palácio dos senhores
Sob tetos imponentes e opulentos
Nem queres ser embalado e embalar-me por refinadas árias
Divindade tola divindade, tens prazer em freqüentar só os vilões?
Camas sujas..., deixando um vácuo nos canapés reais?
Preferes cubículos mofados a espaços bem-cuidados e arejados?
Vais então como sereia acalentar o reles marujinho que assiste do alto do mastro os mares
E deveria guardar-se, vigilante, de ter seus nervos apatetados
Tornando sua dura cama de madeira num berço confortável?
O vento que deveria servir-lhe de alerta-mor é que embalará essa cadeirinha de balanço extemporânea
Mal sabe o vigia enganado que assim entregue ao sono estará pior que enforcado
Voltando a si por demais tarde, quando as nuvens negras anunciarem
Em alto e bom som o estrondo da própria Morte!
Não podes tu, sono, deixar de tomar partido?
Deixar de lado essa gente corsária e voltar pra mim?
Na noite mais silenciosa e tranqüila
Que se mostra a mais propícia
Trairás teu próprio Rei?
Ora, se tão vil és, suma, pois!
Digo que a cabeça que sustenta uma coroa
Jamais dorme sossegada!