O HOMEM CRUCIFICADO
Quanta alma deletéria
Apaguei de minha vida
Tanto sangue pisado em minha artéria
A rua é estreita e é grave a ferida
Os inimigos espreitam
Quando estás acordado
Eles não se deitam
Às vezes mudam de nome açodados
E o que é malária passa a ser maleita
Quem boa cama faz nela se deita
Desde que o inimigo nela albergado não esteja
Farejando o que a morte mais deseja
Se algum sofrimento causamos
E se algo nos acontecer
A conta gotas do tempo
Vai diluir-se nas lágrimas
Até ser tempo da noite cadavérica
Noutro ser ressuscitar no amanhecer
Como gotas de um orvalho
Qual bálsamo de um anjo que se quedou
No instante em que do arrependimento
Brotou-se do coração como a folha da árvore
Que mesmo abandonada beija o chão...
Sou barco a vela
Sou mar e maresia... Sou horizonte, sou porto e janela
E a engolfada vela que o tempo esgrima
É parte desta poesia que o vento
Vai rumando sem rota sem rima...
Ainda que de mim você se vingue
Não tente traduzir minha boca noutra boca
Ela não é bilíngue...
Bem sabes que na cavidade do infinito
Teus gemidos são meus pórticos
Minha língua pássaro noturno e encarnado
Que quando chegam junto à face do ser amado
Procuro abrigo neste ninho onde tudo é permitido
Embora tudo seja imaculado
Ali naquele pequeno ósculo
Até ao fechar dos olhos
Até os astros mais errantes perecem apagados
Há tantos contraditórios
Pessoas se levantam todos os dias
Para saber se permanecem vivas
E mesmo sabendo disso dormem como
Dormem as cordas dos violões
Mesmo sabendo que logo mais
Podem lhe faltar os acordes das horas...
Às vezes a saudade dos mortos é maior
Do que a saudade que os vivos
Sentem por eles entre si
Talvez por isso muitos morram
Sem ter a mínima noção
Do que seja o que é sentir saudade
Que se levou pra outro lado
De uma cidade sem endereço
E que por entre tantos quebra cabeças
Ninguém tem a ciência exata
De juntar tantos trecos troças e ossos
Que deixamos pra trás como cacos
Que sequer podem sem reciclados...
O melhor sonho é o vívido do que o dormido
O que seria de Tomé
Se Jesus não o tivesse crido
Mesmo que pra isso já tivesse sido
Sem ao menos pra ele ter existido???
Assim é o amor verdadeiro
Nunca morre, porque nunca estamos sós...
Podem pisar o quanto podem nas uvas
Elas haverão de fermentar em sua amargura
E herdará do mundo o melhor vinho
Ressuscitando em nós como uma vírgula...
Como eu costumo dizer há santos e fariseus
O homem costuma machucar a semente que planta
Mesmo assim o ingênuo pássaro dela se alimenta e canta
O tempo é a borracha de Deus...