A busca de mim


Acordo lentamente, os minutos do dia pela frente,
Ingremes, indiferentes, um solitário momento,
Ponteiro martelando as horas, verdadeiro tormento
Arrasto-me pelo dia, sem uma fé em si descrente,
Ando às voltas, como uma parabólica sem fim,
Cansado da viagem, ficar parado, apenas de mim,
Penso sem pensar que me penso ainda sem dor
Tudo me ladeia sujo, escuro, cinzento, sem cor,
Na solidão do espaço, penso? Onde estás? Sorte…
Estradas ingremes, longínquas onde habitas morte?
Arrasto-me pelas horas do dia, tempo perdido
Esqueceste-me, esqueci-me de mim, um só sentido
Arrebato-me por esteiras e jornais, descanso
Vagueio solidamente por vielas aguadas, manso
Silenciosamente rosno ao abandono dos gatos
Pardos que arrastam sapatos sujos e gastos,
Procuro-te nas vidraças fechadas, olho-me triste,
Doente, deprimente de punhos elevados em riste,
O corpo aperta-me aprisiona-me as palavras, os versos
Livres na mente, tortos, falsos e verdadeiros, reversos,
Leio-me nas montras dos quiosques, nos jornais de ontem,
Nas letras que absorvo na busca que empreendo de alguém,
Tu, eu, não importa, busco cansado nas horas infinitas
Nas pedras gastas, nas calçadas, passeios ou avenidas
Onde andas? Onde moras? Tu que em mim habitas
No reduto de mim, sento-me e procuro-me no bolso
Se um algibeira rota e gasta lá onde ontem me perdi…
No tempo em que me adormeço, numa qualquer esquina
Sonho-me num amanhã na voz rouca de um qualquer ardina!

Alberto Cuddel®
In: Os dias do Fim LII
Alberto Cuddel
Enviado por Alberto Cuddel em 16/07/2016
Código do texto: T5699662
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