Interior
Não nasci para a agitação de uma metrópole
-carros, pessoas e concreto que se misturam numa nova Torre de Babel
Gosto de ficar debruçado na minha janela
observando nada acontecer
de estar sentado na varanda com meus amigos
e, de repente, ser surpreendido por um beija-flor ou uma abelhinha
buscando uma flor que, por si só, escolheu nascer ali...
Aqui, se a gente atravessa a rua ou se vem algum carro
tem que desviar de um cachorro que adormeceu ali,
bem no meio da via.
Se alguém tropeça ou cai, a gente ri;
mas não é de alegria
é apenas uma matutice, uma inocente maldade...
Todo bairro aqui é centro.
Tudo aqui é simples!
Se uma seriema canta no alto do pasto, é chuva na certa;
quando os sinos tocam no domingo, falta uma hora pra missa começar;
se tocar uma musiquinha triste na igreja, morreu alguém;
dependendo de onde a chuva se formou,
a gente sabe se ela vai chegar!
Pra bater papo com um amigo,
naquela hora em que a tarde vai chegando ao fim,
não preciso nem de celular:
dou-lhe um grito da janela
e o eco o chamará mais duas ou três vezes por mim.
Cidade grande não tem nada disso,
embora pareça sempre ter muito mais.
Cidade grande é bom pra quem já nasceu lá
e não conhece a pacata mineirice de um galo que acorda a cidade
procissões que colorem as ruas de velas e pessoas
aves que nos beirais nos falam de liberdade.
Não têm preço as coisas que mais prezo,
as coisas das quais eu realmente preciso.
Prefiro o olho no olho, despreocupação no sorriso
e aquele incômodo que faz nascer a paz:
A vizinha que pede açúcar emprestado
Menino fazendo barulho junto à minha janela
Visita que chega fora de hora e não sabe quando vai partir...
Deus me livre de ir embora, não quero nem arriscar
Rodar o mundo em busca de felicidade
e descobrir, já bem tarde,
que tudo de que preciso sempre esteve aqui.