NHO JOÃO, O TROPEIRO-(Poesia Gaúcha)

Por essas noites de frio,

Batidas de água e tufão,

Num rancho, à beira do rio,

Eu me quedo, horas a fio,

A conversar com nhô João.

É um velho... Rude e trigueiro,

Envolto num ponche azul,

Fumando, a olhar o braseiro,

Começa o antigo tropeiro

Contar-me histórias do Sul.

Ao longe, muito a distância,

Os tempos perdem-se já,

Em que ele, todo arrogância,

Ia de estância em estância,

Buscando tropas por lá.

Na sua besta tordilha

De manchas brancas no pé,

Nhô João, tocando a tropilha,

Cortava muita coxilha

Para chegar em Bagé!

E lá, de tais cercanias,

Ele, viril rapagão,

Puxava, dias e dias,

Pontas de mulas bravias.

Para vender no sertão.

Que linda! Assim que a alvorada

Tingia o céu de listrões,

Já a tropa, a chucra manada,

Trotava ao longo da estrada,

Por entre a grita dos peões:

Eh mula! Vorta! Caminha!

E os ecos vibravam no ar,

Enquanto, lerda e sozinha,

Ia na frente a madrinha

Com seu cincerro a tocar...

Que vida simples e honesta!

Como era bom, no verão,

Ter o descanso da sesta,

No meio duma floresta,

À beira dum ribeirão!

À tarde, quando caía

A sombra crepuscular,

Era de ver a alegria,

Com que a peonada escolhia

Um sítio para acampar.

Então, descendo as bruacas,

Queimados, fulvos de suor,

Sobre improvisas estacas,

Erguiam logo as barracas,

Soltando a tropa em redor...

Ah, nada mais delicioso,

Ah, nada mais doce então,

Do que, na calma do pouso,

Ter um churrasco cheiroso,

E a cuia de chimarrão!

E entre histórias de rodeio,

Contos, gauchadas febris,

Aos poucos, num devaneio,

Sobre os pelegos do arreio,

Dormir um sono feliz...

E o velho, a voz rude e grossa,

Relembra com efusão:

"Que viage... Êta festa - nossa!

- No dia em que Ponta Grossa

Despontava no espigão..."

A história sempre ele acaba,

Pintando, com muita cor,

As feiras de Sorocaba,

Onde encontrara uma "diaba"

Por quem morrera de amor...

Assim, lembrando o passado,

Nhô João, com frio desdém,

Termina desconsolado:

"Hoje tá tudo mudado!

Vem tudas coisa no trem...

E ali, no humilde pardieiro,

Envolto num ponche azul,

Saudoso, olhando o braseiro,

Conta-me o velho tropeiro

Longas histórias do Sul...

© PAULO SETÚBAL

In Alma Cabocla (Minha Terra), 1920

PAULO SETÚBAL
Enviado por Miguel Toledo em 02/05/2016
Reeditado em 16/05/2016
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